4 de abril de 2011

O Porteiro do Conservatório

Era 26 de dezembro de 1979, estávamos na Sala Cecília Meireles, por volta das dez horas, esperando o término das atividades do relógio da Mesbla para iniciar a gravação de mais um disco dedicado à memória musical brasileira. Pilotava o Nagra, Frank Acker, e o piano, Fernando Lopes. Durante cerca de quatro horas, enfrentando os miados, latidos e ruídos diversos da Lapa noturna, aos poucos, foram surgindo as “quadriglias” Caxoeira, Santa Maria, Morro Alto, Saltinho, Mogy-Guassu, Quilombo, e também, Mormorio, A Cayumba, Niny, Anemia, Grande Valsa de Bravura, Uma Paixão Amorosa. Uma beleza! Tudo obra de um seresteiro de Campinas, autêntico pianeiro, de quem, um certo dia, lenda ou não, Verdi, num momento de entusiasmo, teria dito: “Questo giovane comincia da dove finisco io”.

Dois anos depois, a Funarte lançava O Piano Brazileiro de Carlos Gomes. Sim, eram obras dele mesmo - tão acusado de “italiano” mas brasileirão à beça - do autor de Il Guarany, Lo Schiavo e também mais de cinquenta modinhas, como Quem sabe? (Tão longe, de mim distante...). “Um gênio muito maior do que se supunha”, reconheceu Mário de Andrade.

Aliás, a propósito de Lo Schiavo, é interessante observar que na época de sua estréia no Teatro Lírico, a 27 de setembro de 1889, o Imperador tratava da reforma do Conservatório de Música - anexo à Academia de Belas Artes - e, conforme prometeu, iria entregar a direção ao compositor. Em 15 de novembro, caiu o trono e a promessa e o republicano Leopoldo Miguez assumiu a direção do agora Instituto Nacional de Música. “No Rio não me querem nem para porteiro do Conservatório”, escreveu nosso Carlos Gomes um ano antes de morrer em carta a um amigo.

Pois bem: este ano se comemora o centenário de falecimento deste compositor. Uma excelente oportunidade para o Rio de Janeiro mostrar o quanto quer este artista, que, junto com uma meia dúzia de quatro ou cinco, é um patrimônio da nação. Homenagear Carlos Gomes, não está tão longe, de nós distante.

(Texto escrito em fevereiro e publicada na “Revista VivaMúsica!”, março de 1996)

Neste ano, 1996, eu era Diretor de Música do RioArte, órgão da Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro, infelizmente hoje extinto. Uma equipe do RioArte, com uma amiga à frente, preparou um maravilhoso projeto para a comemoração do centenário de falecimento de Carlos Gomes que icluía a apresentação de duas óperas, do oratório Colombo nos teatros do município, mais concertos, recitais, edições de discos e partituras, workshops etc. Foi feita uma requisição de verba no valor de dois milhões e mais alguma coisa. No entanto, a Secretária de Cultura rejeitou o projeto e deu preferência a outro: montagem de uma ópera inédita de Verdi no Sambódramo, Aida.

E gastou mais de três milhões de reais no evento.

Veja os detalhes do disco e ouça as gravações: O piano ‘brazileiro’ de Carlos Gomes



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