29 de abril de 2011

Aqui?! Jamais!...

Será possível que existam músicos nas demais orquestras do país, pensando que uma “avaliação de desempenho” é um acontecimento meramente local - lá no Rio, na OSB - e que nunca poderá acontecer "aqui"?

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

Não estou entendendo...

Primeiro eles resolveram fazer “avaliação de desempenho” com os músicos da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira), eu não me importei, porque, afinal, “I am not a Brazilian musician...” “Yo no soy un músico brasileño...” “Io non sono un musicista brasiliano...” “Je ne suis pas un musicien brésilien...” “Ich bin kein brasilianische Musiker...”

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

E eu com isso!...

Primeiro eles resolveram fazer "avaliação de desempenho" com os músicos da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira), eu não me importei, porque, afinal, não sou músico da OSB...

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

28 de abril de 2011

A velha história

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada. (Trecho de "No Caminho, com Maiakóvski", de Eduardo Alves da Costa)

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

27 de abril de 2011

Não é comigo...

Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo. (Bertold Brecht)

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

26 de abril de 2011

E Não Sobrou Ninguém

Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse. (Martin Niemöller)

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

21 de abril de 2011

“Avaliação de desempenho” na OSB

Esta é apenas uma opinião. Não deve ser levada em consideração.

Lá vai ela.

Se por acaso, por mero acaso, a direção da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB), em vez de instituir este... (Como direi?... Famigerado?...), “teste de avaliação de desempenho”, tão pouco amado pelos músicos e pela opinião pública, tivesse tomado uma sábia decisão, isto é, a de aumentar o salário dos músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) para um valor... (Como direi?... Digno?), digno, que os permitisse sustentar suas famílias e a si mesmos como músicos (significa cuidados especiais com seus instrumentos e tempo absolutamente necessário para seus estudos) e... (Como direi?... Também digno?... Sim. Digno!), digno do nome da instituição e da sua enorme representação para a história da música no Brasil, contemplaria um resultado que lhe daria enorme prazer, proporcionando imensa satisfação para todos.

Qual?

Lembro que esta é apenas uma opinião. Não deve ser levada em consideração em hipótese alguma. Assim, penso que nos ensaios da orquestra e nos concertos, ou seja, na “hora da verdade”, revelar-se-ia, com a maior facilidade, “quem é” e “quem pensa que é” músico capaz de fazer parte do quadro permanente da Orquestra Sinfônica Brasileira. Pois, muito antes de qualquer regente, o colega de estante seria o primeiro a advertir o de mau desempenho e nas reincidências, podem ter certeza que a “turma que é” não ia deixar barato...

E a "avaliação de desempenho", que a direção da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB) tanto preza, seria realizada, sem testes específicos, “sem choro, nem vela” e uma “fita amarela gravada com o nome dela: FOSB”!

18 de abril de 2011

Hora do almoço

Amiga minha trabalhava em uma corretora, hoje, extinta. Era uma firma de médio porte que movimentava uma graninha razoável no mercado de ações. Nesta época, os bichos não mais falavam, mas a Bolsa de Valores no Rio de Janeiro ainda vivia.

A diretora da empresa, uma senhora muito distinta que exercia sua função com uma determinação própria dos executivos de firmas de médio porte, raramente saía para almoçar. Sua secretária, igualmente distinta, mas não uma senhora, telefonava para um restaurante, dos bons, evidentemente, solicitando informações detalhadas sobre as melhores opções do cardápio. Repassava item por item à sua chefa, para que esta escolhesse o repasto, segundo o paladar do dia.

O pedido ao chegar, nem passava por perto da sala da diretoria. Ia diretamente para a copa da firma, onde uma funcionária especializada, também conhecida como copeira, se encarregava de manter aquecida a comida até o momento de servi-la.

Ao ver que a diretora havia terminado suas tarefas da manhã e sem que houvesse qualquer ordem a respeito, a secretária providenciava rapidamente a vinda do almoço à mesa de trabalho da chefia. A mesa era posta, com toalha, prato, talheres, etc., pela copeira, sob a orientação da eficiente secretária.

Tudo muito bem organizado, muito distinto e, absolutamente executivo.

A senhora diretora, ao terminar a refeição e sorrir satisfeita (acredito que este gesto era uma espécie de código), a mais que eficiente secretária providenciava para que a louça fosse retirada rapidamente. A mesa ficava pronta. E a mais que satisfeita senhora diretora voltava às atividades executivas, com o furor que lhe era peculiar.

Quase sempre, ou, como direi, sempre, sua primeira atitude era mandar a secretária ligar para um dos departamentos. Queria falar com alguém, sobre alguma coisa. Quase sempre, ou, como direi, sempre, urgente.

Neste dia quis falar com Fulana.

Fulana não estava. Era o começo da tarde, hora do almoço.

– E Beltrano? - perguntou a secretária antecipando sua chefa.

– Também foi almoçar.

– Sicrano?

– Saiu com Beltrano.

Fulana, a minha amiga citada no início da história, ao retornar, recebeu o recado. E, de acordo com a lei do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, prontamente se dirigiu à sala da diretoria.

Ao chegar, escutou da senhora excelentíssima diretora, estas palavras, sem distinção:
– Eu não sei por que vocês têm de sair para almoçar todos os dias!

[Em tempo: Nada sei sobre o almoço da secretária; nem sei se almoçava...]

14 de abril de 2011

Orquestra toca para operários

Há tempos, muito tempo mesmo, alguém, não-me-lembro-quem, me passou a seguinte historinha que compartilho com vocês, caríssimos leitores.

É que este alguém, não-me-lembro-quem, tinha um amigo muito chegado (Este, então, não faço a menor idéia quem seja) que morando em Volta Redonda numa certa época, assistiu um concerto de uma orquestra, realizado exclusivamente para operários locais e suas famílias.

Insisto no fato de não saber quem era este último. Porém, é fácil deduzir que uma vez que o concerto era exclusivamente para operários e suas famílias, o tal amigo muito chegado de alguém, não-me-lembro-quem, deveria ser um operário ou pertencer à família de um.

A apresentação da orquestra constava de um programa variado, compreendendo obras de compositores universais dos mais consagrados, do tipo Beethoven e companhia ilimitada.
Cada música era recebida com entusiasmo, sempre crescente, pela platéia. De tal modo que, ao final do concerto, orquestra e seu regente foram calorosamente aplaudidos.

Enfim, um tremendo sucesso.

No meio dessa manifestação de alegria, um operário pediu para falar, em nome de todos os companheiros presentes.

Disse ele:

– Agradecemos a presença da orquestra aqui, neste dia. Estamos muito contentes pelo concerto que assistimos e pelas músicas tocadas. E queríamos apenas fazer um pedido aos companheiros da orquestra.

O regente, companheiro da orquestra, respondeu sem pestanejar:

– Pois não. Com enorme prazer.

O operário fez o pedido:

– Gostaríamos que vocês voltassem para um novo concerto.

Seguiram-se aplausos mais intensos de todos os presentes.

E o companheiro operário concluiu:

– E que incluíssem músicas de compositores brasileiros no programa para que nós pudéssemos conhecê-las.

12 de abril de 2011

Cobras e Lagartos - 30 anos

Em 1981, o Coral da Cultura Inglesa entrava em estúdio para gravar, pela segunda vez, a obra que compus especialmente para o grupo, Cobras e Lagartos. A primeira, custeada pelos integrantes do grupo e destinada a concorrer a um lugar dentre os classificados para o MPB-Shell 81, promovido pela Rede Globo de Televisão, tinha sido realizada no início do ano. Foi na versão original, coro a capela (ou a cappella), ou seja, sem acompanhamento instrumental.

Desta vez, seria diferente.

Com tudo pago pela produtora, Ariola, o coral estaria “vestido”, literalmente, com um modelito sopros e cozinha, um sexteto composto de 3 saxofones (alto, tenor e barítono), piano, baixo e bateria, criado somente para enfeite, sem promover qualquer alteração na versão inicial.

Quando os integrantes do Coral da Cultura Inglesa chegaram ao estúdio, encontraram gravadas a base e uma introdução orquestral, cuja instrumentação era de 5 saxofones (2 altos, 2 tenores e barítono), 2 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tímpanos, piano, guitarra, baixo elétrico, bateria e cordas (violinos I – II – III, violas e violoncelos). Esta, compreendendo 30 segundos apenas de um trabalho politonal, feito sobre elementos extraídos da obra coral, fizeram um barulho considerável com a produtora por causa dos custos da gravação. Afinal, 26 músicos em estúdio, mais as “dobras”, para 30 segundos...

Cobras e Lagartos foi selecionada para o festival. Participou das eliminatórias no extinto Teatro Fênix e se classificou para a final, quando recebeu um prêmio especial.

Pouco depois, o Coral da Cultura Inglesa mudou de nome.

Agora, era Cobra Coral.

A história completa desta saga que inclui coral, música, gravação e festival está no texto que escrevi sob o título “Ás voltas com o canto coral”, inserido no livro “Ensaios: Olhares sobre a Música Coral Brasileira”, publicado pelo Centro de Estudos de Música Coral, Rio de Janeiro, com a primeira edição em 2006, e nova edição a sair brevemente pela Funarte.

Com letra e textos de Hamilton Vaz Pereira mais outros não identificados aqui; com música deste que vos escreve; na singular interpretação do Cobra Coral, com orquestra e conjunto; sob a regência de Marcos Leite, com vocês!...

Cobras e Lagartos!


Notas:
[“Dobra” é quando o músico grava novamente sua parte em outra trilha. Como toca outra vez, ganha dobrado.]

[A ficha técnica do disco pode ser encontrada no link abaixo:
http://www.nestordehollandacavalcanti.mus.br/textcoraldacultura.htm ]

10 de abril de 2011

Um apelo solitário aos músicos da OSB

Amigos,

Ontem, sábado, dia 9 de abril, como foi amplamente divulgado pela imprensa, os músicos da OSB Jovem abandonaram o palco do Teatro Municipal, onde seria realizado o concerto inicial da série Topázio, deixando junto com o regente no palco “apenas poucos músicos antigos da orquestra”, segundo informou o jornal O Globo.

Na sexta-feira, um músico, dos que foram demitidos pela direção da FOSB por se recusarem a fazer o famigerado “teste de avaliação”, publicou uma nota aqui no Facebook com a “Carta de músicos que fizeram a prova ao presidente da FOSB”. Posteriormente, divulgou-se que alguns, dos que não assinaram a carta por estarem ausentes no momento da assinatura, se manifestaram a favor do seu teor.

Dito isto, observo o seguinte:

1) Uma orquestra, profissional ou jovem, como qualquer grupo em qualquer áreas de trabalho coletivo, é um conjunto que somente funciona se todos atuarem em comunhão (Comunhão, palavra que além do sentido religioso tem o significado de “conjunto daqueles que comungam os mesmos ideais”. E comungar é “ter em comum com alguém; compartilhar, dividir”).

2) Os músicos que fizeram o famigerado “teste de avaliação” e depois assinaram a carta acima citada, juntamente com os que não assinaram por estarem ausentes, e aqueles (presentes ou ausentes) que também fizeram o teste e tomaram a decisão de não assinar a carta, estavam no seu direito.

3) Uns músicos pediram demissão em solidariedade aos colegas demitidos, mesmo alguns, dentre os que fizeram o famigerado “teste de avaliação”. E outros não se demitiram.

Todos estavam no seu direito e tomaram uma decisão.

É um direito de cada um tomar a decisão que quiser, seja ela certa ou errada. E, claro, é também um dever agüentar as conseqüências pela decisão tomada.

4) Uma vez que todos os músicos tomaram uma decisão, ou seja, ações individuais, e o que determinou estas decisões foi uma única causa (que certamente compreende vários fatores e o famigerado “teste de avaliação”), esta é coletiva, isto é, de todos os músicos da OSB. Deste modo, conclui-se que o litígio não é entre os músicos.

Se o litígio não é entre os músicos, é entre quem?

Seria entre esses e aqueles (Plural!) que instituíram o famigerado “teste de avaliação” e suas conseqüências porque tinham poder para isso?

5) Desestabilizar trabalhadores, criando situações de pânico, é uma ação constante e comum daqueles que têm poder para fazê-lo.

Portanto, meu apelo solitário aos músicos da OSB é o seguinte:

Que entre vocês haja comunhão, união em toda e qualquer circunstância, sem contendas; agora e nos dias que se seguirão.

Nada mais a dizer ou fazer.

Meu forte abraço a todos.

Nestor de Hollanda Cavalcanti (músico)

8 de abril de 2011

Mediocridade e cultura

Segundo o Dicionário Aurélio, mediocridade “[Do lat. mediocritate.], substantivo feminino”, que significa: “1. Qualidade de medíocre; 2. Falta de mérito; 3. Pessoa medíocre.”

mérito “[Do lat. meritu.], substantivo masculino” é o mesmo que merecimento “[De merecer + -imento.], substantivo masculino”, cujos significados são: “1. Qualidade que torna alguém digno de prêmio, estima, apreço, ou de castigo, desprezo; 2. Valor, importância; 3. Superioridade, excelência; 4. Capacidade, habilitação, inteligência, talento, aptidão: merecimento literário; merecimentos científicos”.

E medíocre “[Do lat. mediocre.]” é um “adjetivo ou um substantivo de dois gêneros”. Exemplos: “1. Mediano; 2. Sem relevo”, e, como substantivo: “Pessoa medíocre”.

Acho que chega de mediocridade. Vamos brevemente à cultura.

Ainda o Aurélio, sempre o bom Aurélio, vemos que cultura “[Do lat. cultura.], substantivo feminino” tem diversos significados. Destaco este:

A parte ou o aspecto da vida coletiva, relacionados à produção e transmissão de conhecimentos, à criação intelectual e artística.

Quando alguém publica alguma coisa no Facebook, num blog ou em qualquer página na Internet, tem de saber que a sua publicação se tornará pública, universal. Se a pessoa não quiser que isto aconteça, basta não publicar nada e, uma vez que nada foi publicado, ninguém leu ou viu. Se ninguém leu ou viu, ninguém apóia ou contesta. E se vive em paz...

Por outro lado, há situações em conflito que motivam apoios ou contestações.

No caso de uma situação de conflito, com muito destaque, como é a questão das demissões dos músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) pelos diretores da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB) e as façanhas do diretor “artístico” (FOSB, naturalmente), ninguém tem, necessariamente, obrigação de ficar ao lado de qualquer das partes. Pode também ficar neutro ou indiferente. É um direito de cada um.

É preciso entender isso.

Ditas tais observações, transcrevo agora uma mensagem que li ontem de manhã no Feed de notícias do Facebook, para apreciação geral.

Muitas vozes contra Roberto Minczuk. Até agora só a mediocridade falou. Espero que os que amam a cultura acordem e defendam nosso maestro!” (Não identifico o autor, por faltar na mensagem uma explicação para mediocridade e cultura, além de uma justificativa necessária e, para não sujar este texto, contaminando-o.).

Assumidamente medíocre (de acordo com as definições dadas acima), estou inteiramente desperto e em defesa da “mediocridade falante”

Amo a música, a criação artística (conforme definição para o termo cultura), dedico-me a ela há quase cinqüenta anos.

Faz poucos dias que me coloquei ao lado dos músicos da OSB na sua luta pela própria sobrevivência (Vejam meu texto Indignação!, publicado anteriormente). Mal conheço os atuais músicos da orquestra. Os que eu conhecia mais de perto saíram há tempos.

Não tenho interesses pessoais; interesses escusos, que visam cargos, posições ou prestígio. Nada pretendo com minha atitude. Digo e repito: nada!

Não pretendia escrever mais sobre este assunto, mas a mensagem da manhã de ontem me estimulou. Ficarei por aqui.

Por enquanto.

5 de abril de 2011

Compor pra quê?

Há vários anos, um compositor, brasileiro, já idoso, estava bastante deprimido. Sua esposa, embora preocupada com o estado do marido, teve de sair, enquanto que ele ficou em casa.

O casal residia numa casa própria, com um pequeno jardim e um amplo quintal.

A mulher, sempre preocupada, procurou voltar o mais cedo possível para casa.

Chegando, viu uma fumaça que subia dos fundos. Foi ao quintal. O marido estava sentado num banco, observando uma fogueira feita com uma enorme pilha de papéis velhos, onde ainda era possível identificar partituras manuscritas.

O compositor olhou para a esposa espantada e disse apenas as seguintes palavras:

– Poucos executaram essas obras durante minha vida; depois de morto ninguém mais vai tocá-las.

Faleceu em seguida a este incidente. Algumas de suas obras escaparam do fogo porque estavam em poder de pessoas amigas. Hoje, porém, está praticamente esquecido.

Mais recentemente, outro compositor, brasileiro, talvez inspirado pelo gesto do colega, teve um surto semelhante e quis destruir todo o trabalho de uma vida do mesmo modo, queimando-o. Os amigos o impediram.

Compor pra que?

Os nomes dos protagonistas? Permita-me, leitor, não revelá-los. Casos isolados? Não. Não são casos isolados. Por diversas vezes ouvi de compositores, brasileiros, a confissão de que já teriam tido o mesmo desejo.

Os leitores, sempre atentos, perceberam que destaquei o fato de serem compositores brasileiros. E, sempre atento, poderia perguntar se tal desejo poderia passar na mente de um estrangeiro.

Sem dúvida, meu amigo, minha amiga, sem dúvida. Não vou citar exemplos, nem revelar nomes, mas, acreditem: isto já aconteceu e pode se repetir em qualquer lugar deste nosso planeta.

Não interessa se são latino-americanos, norte-americanos, europeus, africanos ou asiáticos; é como dizem os que gostam de um dito popular, mesmo que seja importado: “c’est tout la même chose”.

E por que isso acontece? Talvez porque os compositores não sejam conhecidos e por causa disso os intérpretes, não os conhecendo, não os apresentam. Talvez os compositores sejam maus compositores e suas obras, consequentemente, são más obras.

Aqui tem um pequeno probleminha. Como saber se as obras são más, uma vez que elas não foram executadas? Ora, diriam os leitores atentos, os intérpretes as examinaram e viram que eram más.

É uma resposta razoável. Já que levantei a possibilidade de que os compositores são maus compositores, então suas obras são obras más. Está certo. Não há o que discutir.

Peço desculpas pela insistência, mas, se por um acaso os intérpretes não entenderam as obras? Sei que parece um absurdo, porém, os amigos leitores têm que concordar comigo ser possível isto. Neste caso, improvável, claro, porque os bons intérpretes com a formação que possuem, não têm quaisquer dificuldades para entender uma obra e, em caso de dúvidas, tenho a mais absoluta certeza de que consultariam os compositores. No entanto, insisto: e se não entenderam as obras?

Uma questão sem resposta.

Em toda a história da música universal sempre houve intérpretes que apresentaram as obras compostas em seu tempo. Esta prática foi o que motivou o desenvolvimento da música em nossa civilização. Se isto não ocorresse, hoje em dia, em todos os meios de comunicação existentes e também, teatros, auditórios, festas, seja lá o que for, estaríamos cantando e escutando, em todas as versões possíveis, vocais e instrumentais, Greensleeves.

Ad nauseum.


4 de abril de 2011

O Porteiro do Conservatório

Era 26 de dezembro de 1979, estávamos na Sala Cecília Meireles, por volta das dez horas, esperando o término das atividades do relógio da Mesbla para iniciar a gravação de mais um disco dedicado à memória musical brasileira. Pilotava o Nagra, Frank Acker, e o piano, Fernando Lopes. Durante cerca de quatro horas, enfrentando os miados, latidos e ruídos diversos da Lapa noturna, aos poucos, foram surgindo as “quadriglias” Caxoeira, Santa Maria, Morro Alto, Saltinho, Mogy-Guassu, Quilombo, e também, Mormorio, A Cayumba, Niny, Anemia, Grande Valsa de Bravura, Uma Paixão Amorosa. Uma beleza! Tudo obra de um seresteiro de Campinas, autêntico pianeiro, de quem, um certo dia, lenda ou não, Verdi, num momento de entusiasmo, teria dito: “Questo giovane comincia da dove finisco io”.

Dois anos depois, a Funarte lançava O Piano Brazileiro de Carlos Gomes. Sim, eram obras dele mesmo - tão acusado de “italiano” mas brasileirão à beça - do autor de Il Guarany, Lo Schiavo e também mais de cinquenta modinhas, como Quem sabe? (Tão longe, de mim distante...). “Um gênio muito maior do que se supunha”, reconheceu Mário de Andrade.

Aliás, a propósito de Lo Schiavo, é interessante observar que na época de sua estréia no Teatro Lírico, a 27 de setembro de 1889, o Imperador tratava da reforma do Conservatório de Música - anexo à Academia de Belas Artes - e, conforme prometeu, iria entregar a direção ao compositor. Em 15 de novembro, caiu o trono e a promessa e o republicano Leopoldo Miguez assumiu a direção do agora Instituto Nacional de Música. “No Rio não me querem nem para porteiro do Conservatório”, escreveu nosso Carlos Gomes um ano antes de morrer em carta a um amigo.

Pois bem: este ano se comemora o centenário de falecimento deste compositor. Uma excelente oportunidade para o Rio de Janeiro mostrar o quanto quer este artista, que, junto com uma meia dúzia de quatro ou cinco, é um patrimônio da nação. Homenagear Carlos Gomes, não está tão longe, de nós distante.

(Texto escrito em fevereiro e publicada na “Revista VivaMúsica!”, março de 1996)

Neste ano, 1996, eu era Diretor de Música do RioArte, órgão da Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro, infelizmente hoje extinto. Uma equipe do RioArte, com uma amiga à frente, preparou um maravilhoso projeto para a comemoração do centenário de falecimento de Carlos Gomes que icluía a apresentação de duas óperas, do oratório Colombo nos teatros do município, mais concertos, recitais, edições de discos e partituras, workshops etc. Foi feita uma requisição de verba no valor de dois milhões e mais alguma coisa. No entanto, a Secretária de Cultura rejeitou o projeto e deu preferência a outro: montagem de uma ópera inédita de Verdi no Sambódramo, Aida.

E gastou mais de três milhões de reais no evento.

Veja os detalhes do disco e ouça as gravações: O piano ‘brazileiro’ de Carlos Gomes



2 de abril de 2011

Guerra-Peixe, “seu maestro”.

Comecei meus estudos musicais com Guerra-Peixe na Pro-Arte, em 1967. Depois de não passar pela prova de ditado musical, uma obra de Bartok que fazia todo mundo dançar e o Guerra se divertir, comecei a estudar o “suficiente de harmonia.”.

Não deu um mês de estudo e o Guerra me mandou compor uma peça para a apresentação dos alunos no final do ano. Tentei argumentar que não sabia nada, mas ele determinou:

– Faça qualquer coisa. Uma peça pra flauta e violão...

Fiz e mostrei pra ele. Acreditem: ele não mexeu numa nota. Somente disse uma palavra, palavra esta que juntamente com mais duas, eram permanentemente ditas ou escritas por ele para o aluno durante o curso:

– Tá!

As outras duas eram: “É” (que junto com o “Tá” significava “trabalho satisfatório”, “bom”, “muito bom” ou “ótimo”) e “Re-fazer” (Esta última escrita na pauta com a nota ré). Aliás, viva re-fazendo meus exercícios...

Larguei os estudos no final de 1969. Em novembro do ano seguinte, morre meu pai e, no dia seguinte ao seu enterro, ligo pro Guerra:

– Maestro, quero voltar a estudar música. Mas, não posso pagar as aulas.

– Apareça na sexta no museu (Museu da Imagem e do Som).

Voltei a estudar. E tome de “Tá”, “É” e “Re-fazer”. Sempre com a predominância do último, é claro! E levava meus trabalhos, exercícios, composições pra ele ver, semanalmente.

Não faltava às aulas, que não era besta.

– Só fez isso? Dizia depois de ver a montanha de trabalhos que trazia.

– O próximo...., falava com um duplo sentido explícito.

Então, eu sentava na cadeira junto ao piano e ele começava a ver os trabalhos. A cinza do cigarro crescia e caia sobre seu colo. Às vezes, um cochilo de leve... E, no fim, olhando fixamente pra minha cara, com os olhos meio fechados por causa da fumaça do cigarro, dizia um dos seus três conceitos favoritos.

Eu escrevia um bocado. E ai de mim se não fizesse assim. Dançava direitinho. O Guerra, com razão, não admitia aluno faltoso ou preguiçoso.

Lembro-me que, ainda inexperiente, queria aprender orquestração. Via os colegas fazendo os trabalhos e ficava com uma certa inveja. Então comecei a “orquestrar” por conta própria meus exercícios de harmonia e os levei para serem apreciados.

– Você está ficando um bocado saidinho... Compre o Casella, o Korsakov e o Álbum para a juventude do Schumann.

Ele era um músico essencialmente prático. Suas aulas eram práticas. Exigia do aluno trabalho e dedicação. Tinha um método próprio de ensino, suas apostilas eram práticas, objetivas e visavam fazer com que o aluno escrevesse música. Fazia observações preciosas. Suas dicas eram determinantes. Uma vez, vendo a dificuldade dos alunos com o contraponto, mudou a maneira de ensinar a matéria.

– Vamos começar pelo contraponto florido.

Foi uma revolução. Abriu a mente de todo mundo. E logo, todos estavam brincando com o velho contraponto.

Guerra-Peixe era um nacionalista, seguidor da estética de Mário de Andrade, Porém, nunca tentou me conduzir por este caminho ou por qualquer outro. Sempre fiz o que quis e levei os trabalhos sem nenhum receio pra ele ver. E o gordinho via tudo com atenção.

Preocupado com a formação dos alunos, indicava livros, partituras e professores.

– Procure a Esther (Esther Scliar).

Estudei algum tempo com ele e depois a vida nos separou. Nos reencontramos anos depois. Estava na fase da gafieira. Tentei convencê-lo a escrever um livro sobre orquestração. Afinal, ele era um dos maiores orquestradores brasileiros e tinha uma prática fantástica. Porém, apesar dele me prometer que iria pensar no assunto, optou pela gafieira. Ele estava feliz assim. Respeitei, lamentando. Que obra não sairia!

Mantive contato com ele até a sua morte que, curiosamente, foi no dia do meu aniversário. Devo muito a Guerra-Peixe, também conhecido como “seu maestro”. Seu temperamento forte ofuscava sua generosidade.

Seu Maestro! Minhas saudades...

(Texto escrito em agosto de 2001 e publicado em “Guerra-Peixe: Um músico Brasileiro”, Lumiar Editora, Rio de Janeiro (2007)

Veja detalhes e ouça as gravação da A Retirada da Laguna, de Guerra-Peixe:

http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/discos-pro-memus/documentos-da-musica-brasileira-vol-1-compositores-dirigem-suas-obras-guerra-peixe-a-retirada-da-laguna-1979/

1 de abril de 2011

Café do amanhã

Vou compartilhar uma historinha (“Compartilhar” é um verbo muito popular nesse dias...), absolutamente verdadeira, vivida por este degas aqui.

Vou a ela.

Há alguns anos, minhas sobrinhas costumavam passar os dias da semana sob os cuidados da avó, minha mãe, enquanto minha irmã estava no trabalho. E o tio aqui fazia o papel de pai, em alguns instantes, claro. Quando as meninas levantavam, encontravam a mesa posta, com tudo a que tinham direito. Era sentar e comer. O titio, implicante como ele só, costumava dizer:

– Um dia, quando vocês tiverem suas próprias casas, vão levantar e a mesa não estará posta. Aí, vocês irão procurar as coisas para colocar na mesa: o pão, por exemplo. Porém, o pão não estará lá, nem em lugar nenhum, porque vocês não compraram o pão. Não compraram a manteiga, o leite, o café, o queijo, as frutas, etc. e tal.

Quando uma das minhas sobrinhas se casou e, após as férias nupciais, acordou em seu primeiro dia na casa nova, lembrou-se das minhas palavras: “a mesa não estará posta”.

Não estava.

Assim, ela foi pôr a mesa. Colocou a toalha, a louça e... o pão, a manteiga, o leite, o café, o queijo, etc. e tal estavam onde deviam estar, porque ela e meu novo sobrinho haviam feito as compras na véspera.

Meus sobrinhos compraram porque tinham grana para pagar. Tinham grana para pagar porque receberam salários. Receberam salários porque estavam trabalhando e empregados.

Hoje, acredito, de boa fé, que os músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB. É como conheci. É como a identifico.) que estão desempregados, quando levantaram e puseram a mesa, tomaram o seu café da manhã. Acredito, de boa fé, que almoçaram, lancharam e jantaram, porque, apesar de desempregados, ainda tiveram grana para comprar seus suprimentos.

Ah! Que cabeça a minha! Quase ia me esquecendo: os músicos e suas famílias, claro. Que cabeça a minha! Não é que músico tem família? Eu devia saber isso de cor e salteado. Afinal, tenho família e sou músico. Não um instrumentista (Atualmente, nem daria para ser) ou um regente. Sou um compositor. E, para quem não sabia e ficou sabendo agora, afirmo: o compositor é músico! (E ainda escrevo sobre isto).

Então, acredito que o café da manhã, almoço, lanche e jantar estiveram garantidos, hoje, para os músicos da OSB e suas famílias, porque, apesar de desempregados, ainda tiveram grana para comprar seus suprimentos. De boa fé, sempre de boa fé.
Músicos ou não, todos aqueles que estão empregados, certamente recebem seu salário. Consequentemente comem todos os dias.

Os empregadores comem todos os dias. Eles são quase como todos os que estão empregados. Mas, há algumas diferenças entre empregadores e empregados. Por exemplo: a qualidade das refeições (brioches e croissants no lugar do pãozinho francês no café da manhã...), “retiradas” no lugar de salário. E, para os empregadores existem as terríveis preocupações com as ações na Bolsa de Valores; para os empregados, o terror do desemprego. Porém, essas “coisinhas” não alteram as semelhanças; os dois, empregadores e empregados comem todos os dias.

Hoje, não de boa fé porque isto não faz a menor diferença, acredito que os empregadores, ou seja, os diretores da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB; não a Orquestra Sinfônica Brasileira, porque esta tem metade dos seus músicos desempregados.) e suas famílias tomaram o café da manhã, almoçaram, fizeram o seu lanchinho e jantaram, porque os empregadores comem todos os dias.

Eles são quase como todos os que estão empregados.

Eles comem todos os dias.