22 de dezembro de 2011

Bonsucesso x São Cristóvão

Músico em compasso de espera, quando não dorme aguardando sua deixa, pensa bobagens. Os amigos mais chegados vão me perguntar se estou tocando em algum conjunto.

Não, queridos. Minha timidez crônica aperfeiçoou-se com o tempo. Envelheceu, mas não perdeu o entusiasmo. Se virem num palco um cara tipo focinho igual ao meu, tocando um instrumento musical numa boa, regendo instrumentistas ou cantores como se soubesse o que faz, um aviso: prendam-no sem conversar. Não é o Nestor; é uma rima pobre, um impostor!

Compositor também fica em compasso de espera. Às vezes, no meio da criação, quando passa dias preso num compasso; outras, no período entressafra, onde me encontro atualmente.

Assim, enquanto não vem a deixa, fico a meditar sobre coisa alguma pra nada.

Bonsucesso x São Cristóvão
Nesta espera e sem entender do assunto (Que interessa? Quem está perdendo seu tempo lendo isso?), penso naquele “Bonsucesso e São Cristóvão”, como disse um amigo meu, do domingo passado (Os uniformes são quase idênticos. Confiram.). O tal do “Bonsucesso” espanhol, que, acho eu, perderia facilmente para a Portuguesa da Ilha do Governador de 1969 (vide os 2x1 no Real Madrid, sendo este campeão disso e daquilo etc. e tal) está sendo endeusado como se fosse “a maravilha das maravilhas”!

Coisa nenhuma.

É como disse o técnico deles: jogam como os brasileiros jogavam nos tempos heróicos da CBD, antes da criação da..., com licença, amigos,... CBF. E acrescento: em um ou dois toques, com jeito de futebol de salão (também comentário de meu amigo), chamado imbecilmente hoje de “futsal”, que como o futebol de areia, jogado na praia e chamado também imbecilmente de “beach soccer”, ambos criados aqui nestas terras; com um cara que pensa no meio-de-campo, chamado Xavi, segredo dos times brasileiros de outras eras (Didi, Gerson e outros poucos, grandes distribuidores de bolas redondinhas, enxergando o jogo todo e, com total autoridade, verdadeiros técnicos dentro do campo.), detalhe sem importância, que foi convenientemente excluído nos times do lado de cá do Atlântico, a partir do momento que, misteriosamente, se decidiu (Sabe-se lá quem decidiu! E o porquê...) não mais ter o cara de meio-de-campo, que vê e pensa; pois, jogador de futebol só deve jogar...

Criou-se ainda uma espécie de competição para se saber quem é o melhor entre o Messi e o Neymar. Tipo de competição igualmente imbecil, que se repete há anos (A ou B? C ou D? E por aí a fora!) Os “criadores” de tal disputa esquecem o fato de que o Messi se dá muito bem no “Bonsuça” espanhol, porém, não repete suas façanhas quando se trata da seleção de sua pátria natal, a Argentina.

Por quê?!

Porque nossos hermanos não têm um Xavi na seleção, vendo o jogo, pensando e mandando no campo. Na verdade, até têm. Mas, não o convocam. E ele esteve por aqui: o Conca.

O canhoto Messi é bom de bola, faz com a perna esquerda o que muitos não fazem nem usando as mãos.

O garoto Neymar é muito bom. Mas, tem que crescer. Amadurecer. É semelhante ao argentino, precisa de ser servido, receber a bola redondinha e ter gente para passar. Aí é que está o problema. Ele recebe. Tem o Ganso. Mas, na hora de passar...

E tome de tentar ir sozinho driblando marcadores, juiz, o escambau. Sozinho fica difícil. Às vezes o adversário descuida e ele vai. Como o argentino. Mas é às vezes. Se era assim com o Rei do futebol que foi inúmeras vezes (sou testemunha de várias), quanto mais com os outros, meros mortais...

O Ganso, por outro lado, tem jeito pra coisa. Vê o jogo, pensa, é habilidoso. Mas (Tem sempre esse “mas”...), há uma lei, lei não escrita, criada sabe-se lá por quem, que afirma, categoricamente: jogador de futebol não precisa pensar, tem o técnico para pensar por ele...

E o garoto, vocação nata de meio-de-campo, deu azar. Nasceu em época errada. Anda meio cabisbaixo, joga triste, falta brilho nos olhos, como observou meu amigo. Entende-se. Não pode fazer o que sabe. Se bobear nem sabe o que sabe, pois não tem referências. Não viu jogarem Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Ademir da Guia e tantos outros.

Ele não está só. Precisa saber disso. Lá fora tem o Xavi, o Conca. Aqui, o Deco, o... (deve ter mais alguém...)...

Quem sabe um dia os times brasileiros voltem a jogar do jeito brasileiro.

O técnico do “Bonsuça” espanhol espera que... não!

E nós?

Não entendo nada de futebol. Escrevi, escrevi e a deixa não veio. Acabei falando de coisas que não são da minha área, a música. E esta já ocupa por demais o meu tempo, graças ao bom Deus!

Abre parêntese.

Assisti vários Bonsucesso e São Cristóvão em outros tempos. Eram melhores do que esse “Bonsucesso e São Cristóvão” em Tókio, no domingo. Acreditem. Jogavam do jeito brasileiro...

Fecha parêntese.

Nota: Aos torcedores do dois tradicionais clube do Rio de Janeiro, presto minhas homenagens através dos seus hinos.

1 de dezembro de 2011

Noventa anos

Hoje, 1º de dezembro, Nestor de Holanda, meu pai, faria 90 anos. Foi jornalista, escritor, teatrólogo, produtor de rádio e TV, compositor popular e publicitário. Socialista, inimigo de todo tipo de injustiça social e do famigerado regime político que dominou o país a partir de 1º de abril de 1964, foi perseguido, afastado, pouco a pouco, de diversos órgãos de comunicação onde trabalhava. As aflições causadas pelos inúmeros aborrecimentos o levaram à morte em 14 de novembro de 1970, aos 48 anos. Após seu desaparecimento, sempre de maneira covarde, uma vez que não mais o teriam pela frente, seus inimigos procuraram apagar, de todas as formas, seu nome, difamando-o cruelmente e excluindo-o de toda e qualquer publicação oficial ou privada onde ele, pelo talento e enorme produção, necessariamente, deveria estar inserido.

Durante muito tempo, sua família tentou, sem sucesso, re-editar seus trabalhos. No entanto, desde o dia 13 de novembro, seu “Telhado de Vidro” voltou a ser publicado.
Saudações aos antigos e novos telhadistas. O “Sargento Iolando” está de volta.

Confiram: http://nestordeholanda.blogspot.com/2011/11/candidatos.html

13 de novembro de 2011

ÚLTIMAS TELHAS

         Nestor de Holanda, meu pai, faleceu vítima de um enfarto, num sábado, às 22:30h, no dia 14 de novembro de 1970. Estava internado, desde o dia 10, terça-feira, no antigo Hospital da ABR – Associação Brasileira de Rádio, Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro.
         Na segunda-feira, dia 9, num período de cerca de três horas, entre nove e meio-dia, utilizando sua Olivetti, folhas de papel-jornal entremeadas de papel carbono, ele preparou o texto para o programa radiofônico semanal, O Nome do Dia, transmitido às sextas-feiras, e escreveu, revisando com as marcações gráficas para impressão, quatro crônicas, acrescidas das suas respectivas TELHAS SOLTAS e ÁGUA-FURTADA (forma pela qual intitulava suas notas), para serem publicadas a partir do dia seguinte, 10 de novembro.
         À tarde, foi ao centro da cidade para resolver diversos assuntos e entregar os textos na Rádio MEC e no Diário de Notícias, onde mantinha sua crônica diária, a seção Telhado de Vidro, desde o ano de 1962.

         No início da madrugada, sentiu-se mal, foi atendido em casa e na manhã seguinte internou-se no Hospital da ABR, de onde não mais sairia com vida.
         As crônicas PRA FRENTE, MULHERES! (originalmente publicada em 10 de novembro de 1970), CANDIDATOS (publicada no dia 11), MENDIGOS (dia 12) e AROLDO ARAÚJO (dia 13) foram seus últimos trabalhos. Elas serão publicados em quatro domingos neste blog a partir de hoje. Confira:


          Nestor de Holanda completaria 90 anos em 1º de dezembro de 2011. Conheça um pouco sobre sua vida e obra em seu site:

12 de outubro de 2011

Dia das crianças

A Orquestra de Vozes – A Garganta Profunda foi convidada pela Funarte para gravar um disco com músicas do Braguinha, em comemoração dos seus 80 anos. A produção era do pesquisador Jairo Severiano, Marcos Leite na regência e teclados, e eu nos arranjos e direção musical. Isso foi em 1986, bem no finalzinho do ano. Ganhamos uma graninha, pagamos nossas continhas e compramos nossos presentinhos de Natal. Bons tempos de um coral profissional!

Se o amigos me permitirem - e acredito piamente que permitem, não contarei as histórias e detalhes desta gravação. Pois elas, bem como outras histórias com diversos corais, podem ser encontradas no meu texto “Às voltas com o canto coral”, inserida no livro Ensaios – Olhares sobre a música coral brasileira, que inclui também textos de Elza Lakschevitz – entrevistada por Agnes Schmeling, Carlos Alberto Figueiredo e Samuel Kerr. Um time razoável, sem dúvida nenhuma!
Em segunda edição (A primeira esgotou-se logo) pela Funarte, através do Projeto Coral, coordenado por Eduardo Lakschevitz, o livro está agora disponível para download em:

http://www.funarte.gov.br/projetocoral/?p=203

Em homenagem ao Dia das Crianças, aí vai o link com a última faixa. São as cantigas infantis do Braguinha, com a sua participação. Como dizem os franceses, “enjoy it!”...

5 de agosto de 2011

O músico brasileiro

O músico brasileiro tem uma capacidade nata e rara de resolver qualquer desafio no seu campo de atuação. Não importam épocas, estilos, terrenos ou dificuldades, nada lhe parece impossível. Nada lhe é impossível no campo da música.

Meu instrumento original
Devido a essa capacidade nata, o músico brasileiro forma-se aqui, formado por músicos brasileiros cuja formação foi realizada aqui.

Algumas vezes, jovens e talentosos músicos, mas ainda inexperientes, viajam, com bolsas de estudo ou não, procurando aperfeiçoar suas formações com músicos de outros sons, terras e ares. Durante este período, num tempo não medido, o talento do jovem músico grita. E ele percebe que sua estada lhe foi muito proveitosa, pois respirou outros ares, pisou outros solos, comungou com outros sons, mas sua formação básica já estava completa quando daqui saiu. E, naturalmente, começa a brilhar.

Outros não viajam para descobrir isso. Não são melhores do que aqueles. Apenas começaram a reluzir mais cedo e ficaram por aqui.

Mas outros recebem bolsas de estudo e recusam, preferindo seus sons, terra e ares. Também estes não são melhores do que os outros dois. São apenas diferentes.

O músico brasileiro vai para fora gozar férias, a convite, movido pela aventura ou por necessidade de sobrevivência. Fora essas razões, nada afasta sua luz daqui.

Mas há o enganador. Sua formação, para ele e seus pares, é sempre mais importante do que sua ação artística, sua atuação musical. Isto porque sua ação musical não existe. E mistura-se no meio dos músicos, contamina os fracos, foge das responsabilidades profissionais por absoluta incompetência, comprometendo fracos e fortes, acusando-os injustamente e, por fim, se destaca, assumindo posições de honra para os incautos. Os exemplos, lamentavelmente, também são muitos.

O músico brasileiro enfrenta inúmeras barreiras para exercer sua atividade artística. Além das anteriormente citadas, há outras, próprias a todas as categorias profissionais desta nação, categorias artísticas ou não.

Diante de tais obstáculos, ele improvisa. E improvisa bem, muito bem. Esta capacidade não é uma característica exclusiva do músico ou dos artistas em geral. É nata ao brasileiro. Talvez devido à miscigenação, elemento determinante de sua formação que enriqueceu sobremaneira o nosso povo, permitindo-lhe criar e atuar em todas as áreas da atividade humana.

O músico brasileiro, ao improvisar, às vezes exagera, mas quando não o faz, a invenção, muitas vezes, se torna parte integrante do todo, consagrando-se e consagrando o todo. Os exemplos são muitos.

Meus instrumentos de sempre
Esta capacidade nata de improvisar do brasileiro é, além de uma dádiva, sem dúvidas, seu maior defeito. Pois faz com que ele, geralmente, não goste muito de treinar, de ensaiar. É assim com quase todos desta terra, é assim com o músico.

Deste modo, com falsos argumentos que enganam somente os incautos, os enganadores aproveitam-se desta condição natural a eles negada, inventando situações favoráveis a seus propósitos escusos. Não é preciso dizer que os exemplos, além dos recentes, lamentavelmente, também são muitos.

Músico brasileiro, trigo no meio do joio, categoria profissional a que, apesar dos pesares, me orgulho de pertencer há quase cinqüenta anos.

25 de julho de 2011

Seleção brasileira

1958
Aos oito anos, 1958, pelo rádio, escutava as escalações:

Gilmar, De Sordi (Djalma Santos na final. Apenas um jogo e o melhor lateral do mundo!), Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito (Dino Sani) e Didi; Garrincha (Joel), Vavá (Mazola), Pelé (Dida) e Zagalo.

Quatro anos após, aos doze, ouvia pelo rádio e assistia o videoteipe na TV nos dias seguintes aos jogos, o mesmo time da final de 1958, mas com Mauro e Zózimo na zaga e Amarildo substituindo Pelé.
1962

1966, dois anos depois de 1964, uma bagunça generalizada, onde se inclui os meus dezesseis anos, pulo todos os fatos até meus vinte anos, em 1970, em preto e branco, mas, agora pela TV, quando escuto e vejo: Felix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino (Paulo Cesar, melhor ponta esquerda do mundo com um ou dois jogos!).

1970

Depois, vem uma época com absurdas trocas de valores e tudo fica muito estranho...

Hoje, três anos antes de 2014 - a Copa no Brasil com final no Maracanã, depois da saga dos quatro penaltis e da nova convocação, afirmo, solitário e sem nenhuma dúvida, que saudades tem idade sim! Sessenta e um anos, minha idade e, para aliviá-la, fico assistindo lances de futebol da seleção brasileira, futebol mesmo, futebol de verdade, em sites da Internet...

4 de julho de 2011

O último imperador

"Morre Otto von Habsburgo, filho do último imperador austro-húngaro"

http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/07/04/morre-otto-von-habsburgo-filho-do-ultimo-imperador-austro-hungaro-924824584.asp

Ao ler esta notícia no Globo on line que, por lamentável esquecimento não mencionou o nome deste último imperador, lembrei-me de uma interessante historinha que li há tempos, onde o protagonista é justamente o ilustre esquecido da notícia acima, e que compartilho com os amigos. Lá vai.

"A Casa dos Habsburgos dominou o império Austro-Húngaro desde o ano de 1273, e a família foi um dos principais poderes políticos da Europa até a 1ª Guerra Mundial (1914–1918). O funeral do imperador Franz-Josef I da Áustria aconteceu em novembro de 1916. Foi, talvez, o último dos grandiosos funerais imperiais a ser realizado na Europa.


Os Habsburgos estão sepultados na sepultura da família, localizada no porão do mosteiro dos capuchinhos em Viena. No dia do funeral, toda a corte reuniu-se com vestes totalmente brancas, tendo os chapéus cobertos com plumas de avestruz. Uma banda militar executou melancólicos hinos fúnebres e uma obra (uma antífona) do compositor austríaco Franz Haydn. O cortejo abriu caminho, indo por escadas iluminadas com tochas flamejantes, carregando o caixão coberto com as cores imperiais, preto e dourado. Finalmente, alcançou as grandes portas de ferro da cripta, atrás das quais estava o Cardeal-Arcebispo de Viena juntamente com o seu séquito de altos oficiais da igreja.

O oficial encarregado da procissão era o Mestre de Cerimônias da corte. Ao chegar à porta cerrada e bater nela com o cabo da espada cerimonial, ele estava seguindo uma cerimônia prescrita desde tempos muito antigos.

– Abram! – ordenou ele.

– Quem vem lá? – entoou o Cardeal.

– Trazemos os restos de sua majestade imperial e apostólica, Franz-Josef I, pela graça de Deus imperador da Áustria, rei da Hungria, defensor da fé, príncipe da Boêmia-Moravia, Grão-Duque da Lombardia, Veneza, Estíria... – e assim por diante, desfiando os trinta e sete títulos do imperador.

– Não o conhecemos – respondeu o Cardeal, do outro lado da porta.

– Quem vem lá? – perguntou novamente o Cardeal.

– Trazemos os restos de sua majestade, Franz-Josef I, imperador da Áustria, rei da Hungria – falou o Mestre de Cerimônias, sendo que esta forma bastante abreviada de se apresentar o imperador só era permitida nas mais difíceis emergências.

– Não o conhecemos – foi novamente a resposta do Cardeal e torna a perguntar:

– Quem vem lá?

– Trazemos o corpo de Franz-Josef, nosso irmão, pecador como todos nós!

Com isso, as maciças portas abriram-se vagarosamente, e Franz-Josef foi levado para dentro."

(O texto acima foi extraído do livro: O Poder Curador da Graça, de David A. Seamands)

11 de junho de 2011

A história de umas “teses”. A continuação.

Foi o Guerra-Peixe quem me convenceu a fazer o vestibular para a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cursar composição, persistir e obter o título oficial que me classificaria como compositor, pois, apesar dos meus argumentos de que “já estudara harmonia, contraponto, morfologia, análise, orquestração e possuía diversas obras", a argumentação dele foi mais forte: o diploma.

Os amigos, como eu, sabem muito bem que não há emprego para compositor no Brasil (Nem na Guatemala, no Canadá, na Itália, no Japão etc., etc...).
Assim, às 7 horas da manhã de sol de uma segunda-feira de março de 1974, lá estava eu na porta do tradicional prédio da Rua do Passeio, na Lapa. Ali encontrei um novo amigo, também candidato a compositor diplomado e, muito mais que eu, disposto a encarar os sete anos do curso de composição da dita universidade. Ficamos batendo papo, esperando que as portas se abrissem para que pudéssemos ter nossa primeira aula.
Para mim, foi apenas uma aula. Sai logo depois de terminar e abandonei o curso. O motivo? A “Tia”, isto é, a “professora”, começou sua matéria, harmonia, do currículo do curso superior de música de uma universidade, com a seguinte pérola:

– As notas musicais são sete: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si...

Pensei comigo, “não vai dar!”, e desisti do diploma.

Passados alguns anos, a pedidos de amigos, voltei. Mas, mais uma vez a harmonia reprovou meu título de compositor.

Ocorreu que numa aula, durante a realização de um baixo cifrado em dó maior, feito sob mínimas em compasso quaternário, quando cada um dos alunos completava o acorde correspondente a nota, tarefa dificílima que exige muita perícia, coube a mim a cadência final, cadência perfeita (V7-I). Um sufoco!

A “tia” da vez resolveu explicar a cadência após o término do “exercício” e disse uma asneira sem conta. Não agüentei e a corrigi.

Com a tréplica da “mestra”, me decidi e decidido estou até os dias de hoje. E adeus diploma!

Não me formei, mas, através dessas aventuras harmônicas, conheci vários amigos com os quais mantenho forte amizade. Dentre eles, o que encontrei naquele dia na porta da Escola de Música da UFRJ, Antonio Jardim e, na “aula de harmonia”, José Schiller.

Antonio Jardim, José Schiller e eu. Foto publicada no Diário de Notícias, em 28.03.1976
Compartilhando das mesmas idéias, acabamos formando um grupo aberto de estudos musicais e afins, que perdurou por algum tempo. Muita gente participou dessas aventuras e não poderia citar todos. Alguns foram mais constantes, outros nem tanto. Idéias surgiram e se desenvolveram; outras se extinguiram naturalmente.

Por fim, como resultado de muito papo e reflexões que foram um dia iniciadas na época tranqüilíssima do governo do General Emílio Garrastazu Medici, como já narrei, e desenvolvidas no período tranqüilo do governo do General Ernesto Geisel (Ah, a juventude!...), Antonio Jardim e eu fizemos as “Teses sobre a música”, publicadas na revista “Encontros com a Civilização Brasileira nº 8”, pela Editora Civilização Brasileira, em fevereiro de 1979.

Abaixo, o texto em PDF.

http://www.nestordehollandacavalcanti.mus.br/Teses_sobre_a_musica.pdf

Hoje, em plena democracia, assim dizem as boas e más línguas, não haveria mais necessidade de se mexer neste “antigo” texto. Porém, em vista dos últimos acontecimentos “musicais” e com a concordância de Antonio Jardim, amigo e parceiro no trabalho, resolvi fazer uma revisão nos originais.

Portanto, a seguir: A história de umas “teses”. Revisão.

9 de junho de 2011

A história de umas “teses”. O início.

Há uns muitos vários anos, um amigo e parceiro de algumas canções, me fez uma proposta para estudarmos juntos alguma matéria que fosse de interesse comum a nós dois. Apresentou três assuntos para escolher. Confesso que não me lembro direito quais eram os três, mas, preferi um que, por sinal, era a seu preferido.

Feita a escolha, ele me trouxe um livro, do qual possuía dois exemplares. Um era dele e o outro pertencia a sua namorada que, por não se interessar pelo estudo, me emprestou prontamente.

Segurei o exemplar interessado e o folhei. Não tinha o nome de editora, nem data de edição e no título vinha um erro nem um pouco imperceptível, sugerindo uma tradução feita sem muito cuidado.

Assim, tomei contado com “Os conceitos elementais do materialismo histórico”, da chilena Martha Harnecker.

Nossos encontros eram elementais, isto é, semanais. Um dia, na minha residência; outro, na dele. Algumas vezes, nos reuníamos no apartamento dos pais da sua namorada ou na casa da tia dele, onde tínhamos mais sossego para as nossas reflexões.

Estas “reflexões” consistiam em se procurar analisar sob a luz da dialética materialista os assuntos aos quais nos dedicávamos; no meu caso, a música e meu amigo, o teatro.

A época para tal estudo era perfeita, de tranqüilidade absoluta. Governava o país o General Emílio Garrastazu Medici.

Nossos estudos foram intensos e duraram várias semanas. Meu amigo, algum tempo depois, formou um grupo de teatro e me convidou para participar deste como músico e compositor. Porém, eu, um tímido crônico e convicto, procurei gentilmente declinar do convite.

Continuei meu estudo sozinho, Hamilton Vaz Pereira e o “Asdrúbal trouxe o trombone” seguiram sem mim, o que não lhes fizeram nenhuma falta. Já o livro que me foi emprestado, ainda se encontra comigo. Está inteirinho e espero devolvê-lo um dia à sua dona de direito, Regina Casé.

24 de maio de 2011

Ex-Beatle? Let it be...

Depois de ter feito a segunda das duas apresentações programadas para o estádio chamado de Engenhão, porque está localizado no bairro do Engenho de Dentro, na zona norte do Rio de Janeiro (Com Engenhão evitou-se um Engenho de Dentrão, que seria muito estranho. Pois, tudo quanto é estádio de futebol tem o nome no aumentativo. O Maracanã se fosse construído agora, seria Maracanão...), viajou para novas aventuras musicais, Sir Paul McCartney, a quem a imprensa escrita, falada, televisada e “internetezada”, insiste em chamar de ex-Beatle.

Pergunto: como assim, cara pálida?

O Beatle Paul McCartney feliz ao compor Let it be
O único ex-Beatle conhecido é o baterista Pete Best, fato devidamente divulgado, impresso, falado, televisionado (e também televisado...), embalado e documentado pelos compêndios de estética musical e que, segundo se conta em “boca de Matilde”, foi deletado pelos colegas por sugestão mais que obrigatória, segundo “dona Matilde”, do futuro quinto Beatle, Sir George Martin, para dar lugar ao narigudo Sir Ringo Starr, também baterista, mas um sofrível cantor.

O conjunto permaneceu com os três elementos já citados, mais Sir George Harrison e o Sir idolatrado John Lennon, por todo o tempo que durou. A sua forma de existir foi a de um quarteto de cinco, fixos. Estranho, mas são The Beatles. Viraram lenda.

Tem gente que não acredita em lendas. Meu pai, um dos incrédulos em plena “beatlemania”, tinha um amigo que afirmou, categoricamente, que os assistiu no Olympia, em Paris. Foi por volta de 1964 ou 1965. Nesta época, eu, em plena adolescência, babei. Hoje, sessentão, permaneço babando...

O Beatle John Lennon assinou Let it Be.
Amigos, estamos no Brasil; país tropical, abençoado por Deus, aqui a coisa é assim. Uma vez babão sempre babão. Mas, também temos nossos ídolos, as nossas lendas. Quando são conjuntos vocais, instrumentais, elas se formam e se desenvolvem de modo original. Em alta rotatividade. Os nossos “The Beatles” não têm um só nome. São lendas que possuem diversos nomes e formações. O “entra e sai e volta e sai” de integrantes é uma coisa mais do que normal nas nossas lendas. Por causa disso, não tem um “Pete Best”, não tem um “ex”. Todos são e serão, eternamente.

Isto fica mais do que provado nos encontros do tipo “vinte anos depois”. São beijos, abraços, carinhos, lembranças. As antigas brigas ficam para trás, esquecidas, eterna e ternamente. Claro que há exceções, porém, esta é a regra geral.

No entanto, para a imprensa escrita, falada, televisada e “internetezada”, a mídia, quem não está mais, é um “ex-”.

Dito isto, amigos, agora peço que respondam de de prima: “Seu” McCartney, depois de velejar na Baía de Guanabara e andar de bicicleta no Aterro da Glória, entra no palco, passa do ukelelê ao piano, dança, pula e se utiliza livremente da inconfundível voz, brincando que nem gente grande, com aquele repertório, aquele show, aquele som de sempre, aquele público brasileiro dos quatro cantos do planeta, conforme se viu alguns meses atrás em São Paulo e agora se vê no Rio, os espaços dos shows abarrotados de gente nascida muito antes e vários anos depois de 1970, quando o grupo “fingiu” que acabou, enganando apenas os incautos, em babação permanente, antes e depois, apesar do que diz a mídia, é um ex-Beatle?

Ex-Beatle, cara pálida?!

Let it be...

[O som abaixo é uma homenagem deste "babão" aos caras.]

Yesterday (Lennon & McCartney)
Arranjo deste que vos escreve, com a Garganta Profunda, ao vivo no Jazzmania, Ipanema, Rio de Janeiro, no verão de 1987 (Chamon e Luiz Guilherme de Beaurepaire, solistas; Marcos Leite, regente; Marco Lyrio, guitarra; Jorge Sá Martins, baixo; Marcelo Marques, bateria).

15 de maio de 2011

Compositor também come (2)

O compositor necessita comer todos os dias, independentemente do meio onde atua (na música chamada de popular ou na outra, sem um nome fixo, chamada muitas vezes de erudita, clássica ou de concerto). Assim, para suprir esta necessidade dos sempre esfomeados criadores de obras, algumas vezes, surge uma encomenda de obra com pagamento pelo trabalho.

No meio da outra, esta encomenda chama-se comissão, e, quando acontece, é sempre muito bem-vinda.

O compositor especializado em obras “clássico-erudito-concertantes”, mui alegremente, aceita o trabalho. As contas das padarias e importadoras dos hipermercados precisam ser saldadas.

Todo compositor come brioches, croissants, patê de foie gras e outras delícias, diariamente. Não sabiam? Claro que come! Todo compositor é rico. Sim, muito rico. Se não fosse rico, por que seria um compositor? Se ele, um dia, achou que tinha jeito para música por que não procurou ser um regente, um professor de harmonia, um crítico de música? Por que não procurou estudar música a sério, se dedicando, de corpo e alma, a dominar um instrumento musical sério (Não um violão, evidentemente, que é instrumento de vagabundo...), mas um violino, um cello, uma harpa, o nobre piano?

Imaginem só o que seria para um gourmet a comissão de uma sinfonia para grande orquestra, em 4 movimentos, com cerca de 40 minutos de duração! Seria coisa para quem pode!...

Achei a idéia tão interessante que vou continuar nesta “historiazinha fantasiosa”.

O papo do convite, imaginário, claro, poderia ter sido assim:

– Maestro! (Compositor, eventualmente, é chamado de “maestro” e este personagem seria um senhor já passado dos anos o que o tornaria ainda mais “maestro”.). É um desafio.

– Diga – responde o “maestro”.

– O trabalho tem de ser entregue em um mês. A verba que possuímos não é muito (Hã! Está parecendo história real. Mas, é fantasia, pura fantasia...).

– É um desafio! Será uma honra que aceite o trabalho, porque... Blá-blá-blá, etc. e tal.

O “maestro”, eficientíssimo, com menos de um mês do prazo estabelecido, termina a obra e vai receber seu pagamento, umas duas mil merrecas.

Com a grana no bolso, vai ao hipermercado fazer suas compras do mês, em sua limousine, pensando nos brioches, croissants e patês de foie gras.

No setor dos importados, encontra-se com um velho amigo que, ao vê-lo, em vez de um “meu querido!”, começa logo informando, não como fofoca, claro, mas como “amigo que é”, que determinada figura, também chamada de “celebridade”, de muita fama do “show business” internacional, recebeu 10 vezes mais merrecas para criar uma obra livre (não uma sinfonia, porque “cada macaco no seu galho”...), com duração livre, concebida sobre improvisos, sugerindo aos leigos a utilização de uma técnica chamada minimalista.

Nosso compositor “maestro”, por causa da notícia insignificante do “amigo, e amigo é pra essas coisas”, sente-se mal e vai parar no hospital.

É uma história imaginária. Nunca aconteceria de verdade. Ninguém seria tão canalha assim. Dois pesos e duas medidas? Não acredito! Em hipótese alguma! Não, não e não.

Não e fim desta história!

Vou mudar de assunto.

Esperem um momento, o telefone está tocando.

– Maestro!

10 de maio de 2011

Compositor também come (1)

Eu tenho um hábito diário: necessito comer todos os dias. E não é uma vez somente. Necessito comer três vezes ao dia, pelo menos.

De manhã, preciso tomar o café da manhã. Não é o café da tarde; não é o café da noite; não é o cafezinho em pé num balcão de um bar carioca no centro da cidade. Mas, um café completo com frutas, queijo, pãozinho francês quentinho com manteiga e, se possível, algo doce. À tarde, necessito almoçar. É outro hábito. Neste rango são incluídos outros ingredientes: alguma coisa animal, alguns vegetais coloridos e minerais bem distribuídos. Ao terminar, uma sobremesa. Atualmente, dispenso o cafezinho, mas não a sobremesa. Depois, talvez, um lanchinho rápido no decorrer da tarde. E à noite, impulsionado pelo velho hábito, também como, mais do que no lanchinho da tarde. Porém, menos do que no almoço e no café da manhã.

Não sou um glutão. É apenas um hábito diário: necessito comer todos os dias.

O engraçado é que minha família tem os mesmos hábitos.

Sou um músico-compositor e, em determinadas horas do dia, sinto fome.

Todo compositor necessita comer todos os dias, independentemente se ele é um compositor de música chamada de popular ou da outra, que, sem nome fixo, é chamada de erudita, clássica ou de concerto.

Não é pelo fato de ser um músico-compositor que preciso comer todos os dias. Deixo isto bem claro. Mesmo que fosse músico-instrumentista, músico-cantor, músico-regente ou não fosse músico qualquer coisa, teria a mesma necessidade.

Fazer o quê?

Tenho a mais absoluta certeza que o amigo leitor entendeu tudo isso.

Mas, a teoria na prática é outra coisa, isto é, nem todo mundo parece entender isto que, a meu ver, deveria ser um ponto de fácil compreensão.

Deste modo, compartilho com os amigos algo que não é exatamente um segredo. Porém, tem suas particularidades.

Abro parênteses. Embora atue com pouca freqüência na música chamada popular, minha história de vida está completamente ligada à outra, sem nome fixo. Assim, o que escrito agora segue este princípio. Fecho parênteses.

Qualquer compositor já ouviu esta frase abaixo (Pelo menos, aqueles que têm mais, muito mais de trinta, como este que vos escreve...):

– Faz uma música para mim (Ou para meu grupo).

O pedido é feito sem nenhuma insinuação sobre uma possível remuneração para o trabalho. É um “faça” e estamos conversados. Alguns, às vezes, se lembram de que estão querendo que o compositor trabalhe para eles de graça e mandam este clichê como desculpa:

– Se eu pudesse, pagaria.

E vem o complemento:

– Eu (nós) não tenho (temos) nenhum apoio (O compositor tem?!...).

Cá entre nós, que ninguém nos ouça. Só você, leitor, e a torcida do Flamengo. Uma parte do cachê que o “pedinte” vai receber quando se apresentar já faria uma diferença, não?

Quando a solicitação vem de amigo, o compositor finge que não entendeu que mais uma vez vai trabalhar de graça e o atende. É pedido de é amigo. Caso parta de conhecidos apenas, a reação é completamente diferente. Ele... também atende e faz a peça!

Deste modo, as obras vão surgindo, uma a uma, e nosso herói vê aumentar seu catálogo de obras. Ele sorri, fica feliz. Feliz...

Mas, o compositor necessita comer e pagar por isto todos os dias. Como ele faz?

Não respondo como faço. Porém, como tenho feito durante os meus quarenta e tantos anos de carreira, de acordo com a minha vontade continuarei a compor, atendendo aos amigos e conhecidos, vendo aumentar meu catálogo de obras, sorrindo, feliz.

Feliz...

9 de maio de 2011

Eu não sei escrever

Eu não sei escrever. Não sei escrever textos de qualquer espécie. Não sei escrever poesias. Não sei escrever contos. Não sei escrever romances. Procurem livros meus de poesias, de contos, um romance, unzinho. Não encontraram? Procurem nos sebos, vejam na internet. Se acharem, me avisem. É um impostor. Liguem para o disque-denúncia, urgente!

Também não sei escrever crônicas. Meu pai sabia. Era um craque no assunto. Manejava as palavras com extrema facilidade. Era o cara...

Por outro lado, apesar de não saber escrever, escrevo. Se o leitor chegou até aqui é porque está lendo o que estou escrevendo. E, mesmo não sendo o velho, consegui trazê-lo até aqui, amigo leitor, sem dizer coisa com coisa...

Habilidade ou enrolação?

Eu não sei escrever música. Sim, é aqui que a coisa com coisa pega.
Uma confissão? Não, não é uma confissão. É uma acusação que tenho escutado, indiretamente, há anos:

– Ele não sabe escrever.

Isto nunca foi dito na minha cara. Não sei por que. Sou um homem de paz. Embora filho de um nordestino invocado, neto de um operário caçador de ladrões com barra de ferro na mão e bisneto de um calabrês, cheio de histórias estranhas – por que não dizer? –, violentas (Três personagens cujas aventuras ficariam bem em vários livros), sou um homem de paz.

Sempre aparece alguém, “mui amigo”, que vem me dizer que outro alguém, “mui mais amigo”, disse para outro alguém, “muitíssimo mais amigo”, a frasezinha agradável e incentivadora:

– Ele não sabe escrever.

É esta ou uma variante, também bastante comum:

– Ele não sabe nada.

É sempre por trás, nunca na cara, de forma covarde e cruel.

Há poucos dias, um músico amigo de longa data, virtuose no seu instrumento, professor responsável pela formação de figuras de enorme expressão neste instrumento, me contou uma deliciosa história passada com ele.

Era um ensaio de orquestra. A obra, um arranjo de uma peça de Waldemar Henrique para canto, sopros e cordas, feito por um cara de nome no meio.

Muito bem.

Ao ver a sua parte, disse meu amigo, dirigindo-se aos colegas, também feras, figuras históricas, nos seus instrumentos:

– Este arranjo é fraco.

E concluiu:

– Vejam: está cheio de semibreves...

O ensaio começa e a “droga do arranjo” soa que é uma beleza!

Meu amigo se rende à evidência inquestionável:

– Eu estava errado. Não tinha entendido o que queria o arranjador quando vi a minha parte. Mas, quando ouvi o resultado final é que compreendi.

Os personagens desta história, ainda não citados, são: a Orquestra de Câmara de Blumenau, regência de Norton Morozowicz. Dentre os colegas estavam Noel Devos, fagote e Luiz Carlos Justi, oboé. Não sei dizer quem estava na flauta e a cantora. Mas, meu amigo é José Botelho, clarineta, cujas histórias dariam vários livros.

O arranjador?

Guerra-Peixe. Meu professor de composição entre 1967 e 1973.

Se não aprendi nada com ele, podem dizer à vontade:

– Ele não sabe escrever.

8 de maio de 2011

Novo programa TV Cultura

Hoje, dia 8 de maio, domingo, dia das mães, compartilho com os amigos o email que recebi ontem, com o título acima. Este email, um “span”, como todos os que recebo sem ser consultado, trouxe este teor:

"Nova temporada do programa da TV Cultura abre com a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam, neste sábado (7/5)

Clássicos: Temporada de 2011 (*)
Programação parcial – maio a julho

MAIO

Sábado, dia 7/5, às 16h
Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam
Mariss Jansons, regente
Programa: Gustav Mahler / Sinfonia nr 2 “Ressurreição”

Domingo, dia 8/5, às 16h
O padre vermelho - documentário sobre A. Vivaldi
Produção ORF

Sábado, dia 14/5, às 16h
Camerata L’Arte Del Mondo
Programa: Divertimentos e Concertos de W.A. Mozart

Domingo, dia 15/5, às 16h
Tchaikovsky: a Sinfonia Patética – documentário
Produção ARTE

Sábado, dia 21/5, às 16h
Orquestra do Iluminismo (Orchestra of the Age of Enlightenment)
Vladimir Jurowski, regente
Programa: L. van Beethoven: Sinfonias nºs 4 e 7 e Abertura Coriolano

Domingo, dia 22/5, às 16h
Bolero, uma paixão - documentário sobre a obra de M. Ravel
Produção ARTE

Sábado, dia 28/5, às 16h
Osesp - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Richard Armstrong, regente
Stephen Hough, solista
Programa: Obras de F. Liszt e R. Wagner

Domingo, dia 29/5, às 16h
Orquestra Filarmônica de Rotterdam
Valery Gergiev, regente
Programa: M. Mussorgsky / M. Ravel: Quadros de uma exposição
M. Ravel: Alborada Del Gracioso e La Valse

JUNHO

Sábado, dia 4/6, às 16h
Reger não me cansa - documentário sobre a atividade do regente Valery Gergiev frente à Orquestra Filarmônica de Rotterdam

Domingo, dia 5/6, às 16h
O sistema - documentário sobre o ensino de música na Venezuela
Produção EuroArts

Sábado, dia 11/6, às 16h
Orquestra Simon Bolivar
Claudio Abbado, regente
Anna Prohaska, solista
Programa: S. Prokofiev / Suite Scitia op. 20 - A. Berg / Suite de ‘Lulu’
P.I. Tchaikovsky / Sinfonia 6

Domingo, dia 12/6, às 16h
Darius Milhaud e sua música: da Provença para o mundo -documentário sobre o compositor francês
Produção ARTE

Sábado, dia18/6, às 16h
Osesp - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Osmo Vanska, regente
Jaako Kuusisto, solista
Programa: J. Sibelius, E. Rautavaara e Piotr I. Tchaikovsky

Domingo, dia 19/6, às 16h
Hector Berlioz: Sinfonia Fantástica - documentário realizado pelo Mo. Michael Tilson Thomas e Orquestra Sinfônica de San Francisco sobre a obra do compositor francês
Produção APT

Sábado, dia 25/6, às 16h
24 prelúdios para a fuga - documentário sobre o compositor Arvo Pärt
Produção EUROARTS

Domingo, dia 26/6, às 16h
Orquestra Sinfônica de San Francisco
Michael Tilson Thomas, regente
Programa: Hector Berlioz: Sinfonia Fantástica

(*) esta programação está sujeita a alterações"

Fora sete documentários, um sobre A. Vivaldi, no dia 8/5; outro sobre a Sinfonia Patética, de Tchaikovsky, no dia 15/5; mais outro sobre a obra de Ravel, no dia 22/5; mais um outro sobre o regente Valery Gergiev, no dia 4/6; o quinto sobre o ensino de música na Venezuela, no dia 5/6; o sexto sobre Darius Milhaud, no dia 12/6; e o último sobre o compositor estoniano Arvo Pärt (Nascido em Paide, 1935), no dia 25/6, obras dos seguintes compositores estão programados:

Ludwig van Beethoven, Alban Berg, Hector Berlioz (2 vezes), Franz Liszt, Gustav Mahler, Darius Milhaud, Wolfgang Amadeus Mozart, Modeste Mussorgsky / Maurice Ravel, Sergei Sergeyevich Prokofiev, Einojuhani Rautavaara (Helsinki, Finlândia, 1928), Maurice Ravel (além de um documentário, 2 vezes, sendo uma com Mussorgsky), Jean Sibelius, Pyotr Ilyich Tchaikovsky (além de um documentário, 2 vezes) e Richard Wagner.

A Osesp - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, nesta programação, se apresenta com obras de Liszt e Wagner, no dia 28/5, e Sibelius, Rautavaara e Tchaikovsky, no dia 18/6.

Onde estão os compositores brasileiros?!

4 de maio de 2011

Quanto tempo demora?

Durante muitos anos dei aulas de violão, em minha residência ou em domicílio (Detesto “em domicílio”). A partir de certo tempo, passei a lecionar no Conservatório Brasileiro de Música, seção Tijuca, e na Escola de Música Villa-Lobos. Isto, juntamente com as aulas particulares.

Era assim que sobrevivia. Assim sustentava meus estudos de composição. Não as aulas com Guerra-Peixe, porque estas eram gratuitas, mas, para ter os livros e partituras, em sua maioria importados, discos LPs, alguns também importados, e material para a escrita musical (papéis com 12 ou mais pentagramas, incluindo vegetal para matrizes, mais canetas, lapizeiras, etc.). Para estudar, precisava dar muitas aulas.

Meu interesse pelo violão começou quando ouvi pela primeira vez gravações de Dilermando Reis, Luiz Bonfá, Baden Powell “and The Beatles, of course.” Movido por esse interesse diversificado, tive aulas com Yvone Rebello, Elpídio Pereira de Faria, Pereira Filho e Jodacil Damasceno, sendo que este último me apresentou a Andres Segovia e companhia, abrindo meus ouvidos e mente para o universo do instrumento.

Dava aulas por música e por cifra, ou seja, “de oitiva”, como diziam alguns. Não era minha a escolha. Apresentava as opções, suas vantagens, dificuldades e limitações. Tinha a minha preferência, por música, claro. Mas não a impunha. Tudo dependia do aluno. Como precisava sobreviver, não discutia e fazia a vontade do freguês.

Nas aulas em domicílio, carregava comigo meu instrumento e algum suporte; dentre estes, um carimbo com cinco trastes do braço do violão, para os acordes e suas cifras, junto com um caderno com letras de músicas cifradas previamente.

Quase sempre, o aluno queria tocar uma música fora do esquema. Então, comprava umas revistas com letras de músicas de sucesso (nem sei se ainda existem!), com cifras geralmente erradas, tinha de aprender a música para poder ensinar. Era dose...

Para os que levavam a coisa mais a sério, tinha um método próprio, que, naturalmente, dependia da vontade do aluno. Ensinava-os a ler, utilizando o violão, e compunha pequenas peças à guisa de estudos. Ainda, atendendo ao interesse individual, minhas aulas, muitas vezes, invadiam os terrenos da harmonia, morfologia, acústica, estética. Isto ocorreu, principalmente, no tempo em que estive na Villa-Lobos, porque alguns alunos costumavam trazer suas dúvidas para mim e a gente acabava esquecendo por completo o astro principal...

Foram muitos alunos. Alguns entraram firme pela música a dentro, se desenvolveram no violão ou até em outros instrumentos, e vários se tornaram compositores.

Apesar de ser um tempo bastante difícil para mim, são boas as lembranças. E também algumas bastante desagradáveis.

Era bastante comum o aluno faltar ou não estar em casa, exatamente no dia do pagamento das aulas. Muitos foram os calotes. Um deles, oficial, foi o da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro que não me pagou o último período de aulas na Escola de Música Villa-Lobos. Ficaram me enrolando, enrolando e eu, agora com emprego fixo na Funarte, com os horários completamente tomados, deixei para lá e a coisa morreu. Foi em Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros), uma grana boa na época (Falo de 1979. Hoje não faço a menor idéia de quanto seria), que fizeram falta no orçamento doméstico.

A maioria dos alunos, com raras exceções, tinha duas frases que repetiam, ad nauseam, em qualquer domicílio, meu, dele ou escola:

– Professor, esta semana não deu para estudar, porque... (O cachorro fugiu. Tive provas. Não deu. Não me deixaram...).

Esta era a mais constante. Porém, a minha favorita era uma outra, uma pergunta, formulada uma única vez na primeira aula, que trazia à minha mente, rapidamente, as dezenas de horas de estudo gastas com escalas, Sor, arpejos, Villa-Lobos, ligados, Tarrega, trêmulos, Ponce, mordentes, Brower etc., etc., mais etc. e tal:

– Quanto tempo demora para aprender violão, professor?

1 de maio de 2011

Aos músicos da verdadeira OSB

Cumprimento e parabenizo os músicos da verdadeira Orquestra Sinfônica Brasileira pelo memorável concerto realizado ontem, sábado, dia 30 de abril de 2011, no Salão Leopoldo Miguez, da Escola de Música da UFRJ.

Cumprimento todos os músicos que participaram do concerto, integrantes ou não da verdadeira OSB, e todos aqueles que não puderam participar do evento por motivos de força maior.

Sou um destes, infelizmente, minha saúde, mais uma vez, não permitiu que estivesse presente para juntar-me a enorme platéia presente, para aplaudir e sentir toda a emoção que este concerto histórico proporcionou.

Estou acompanhando pela internet as notícias que não param de chegar e fico feliz. É como se estivesse lá.

E nesta sensação, embora um pouco atrasado, emocionado, grito:

Bravo!!!

29 de abril de 2011

Aqui?! Jamais!...

Será possível que existam músicos nas demais orquestras do país, pensando que uma “avaliação de desempenho” é um acontecimento meramente local - lá no Rio, na OSB - e que nunca poderá acontecer "aqui"?

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

Não estou entendendo...

Primeiro eles resolveram fazer “avaliação de desempenho” com os músicos da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira), eu não me importei, porque, afinal, “I am not a Brazilian musician...” “Yo no soy un músico brasileño...” “Io non sono un musicista brasiliano...” “Je ne suis pas un musicien brésilien...” “Ich bin kein brasilianische Musiker...”

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

E eu com isso!...

Primeiro eles resolveram fazer "avaliação de desempenho" com os músicos da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira), eu não me importei, porque, afinal, não sou músico da OSB...

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

28 de abril de 2011

A velha história

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada. (Trecho de "No Caminho, com Maiakóvski", de Eduardo Alves da Costa)

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

27 de abril de 2011

Não é comigo...

Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso Eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo. (Bertold Brecht)

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

26 de abril de 2011

E Não Sobrou Ninguém

Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse. (Martin Niemöller)

(Publicado inicialmente no Facebook, em 10 de março de 2011)

21 de abril de 2011

“Avaliação de desempenho” na OSB

Esta é apenas uma opinião. Não deve ser levada em consideração.

Lá vai ela.

Se por acaso, por mero acaso, a direção da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB), em vez de instituir este... (Como direi?... Famigerado?...), “teste de avaliação de desempenho”, tão pouco amado pelos músicos e pela opinião pública, tivesse tomado uma sábia decisão, isto é, a de aumentar o salário dos músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) para um valor... (Como direi?... Digno?), digno, que os permitisse sustentar suas famílias e a si mesmos como músicos (significa cuidados especiais com seus instrumentos e tempo absolutamente necessário para seus estudos) e... (Como direi?... Também digno?... Sim. Digno!), digno do nome da instituição e da sua enorme representação para a história da música no Brasil, contemplaria um resultado que lhe daria enorme prazer, proporcionando imensa satisfação para todos.

Qual?

Lembro que esta é apenas uma opinião. Não deve ser levada em consideração em hipótese alguma. Assim, penso que nos ensaios da orquestra e nos concertos, ou seja, na “hora da verdade”, revelar-se-ia, com a maior facilidade, “quem é” e “quem pensa que é” músico capaz de fazer parte do quadro permanente da Orquestra Sinfônica Brasileira. Pois, muito antes de qualquer regente, o colega de estante seria o primeiro a advertir o de mau desempenho e nas reincidências, podem ter certeza que a “turma que é” não ia deixar barato...

E a "avaliação de desempenho", que a direção da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB) tanto preza, seria realizada, sem testes específicos, “sem choro, nem vela” e uma “fita amarela gravada com o nome dela: FOSB”!

18 de abril de 2011

Hora do almoço

Amiga minha trabalhava em uma corretora, hoje, extinta. Era uma firma de médio porte que movimentava uma graninha razoável no mercado de ações. Nesta época, os bichos não mais falavam, mas a Bolsa de Valores no Rio de Janeiro ainda vivia.

A diretora da empresa, uma senhora muito distinta que exercia sua função com uma determinação própria dos executivos de firmas de médio porte, raramente saía para almoçar. Sua secretária, igualmente distinta, mas não uma senhora, telefonava para um restaurante, dos bons, evidentemente, solicitando informações detalhadas sobre as melhores opções do cardápio. Repassava item por item à sua chefa, para que esta escolhesse o repasto, segundo o paladar do dia.

O pedido ao chegar, nem passava por perto da sala da diretoria. Ia diretamente para a copa da firma, onde uma funcionária especializada, também conhecida como copeira, se encarregava de manter aquecida a comida até o momento de servi-la.

Ao ver que a diretora havia terminado suas tarefas da manhã e sem que houvesse qualquer ordem a respeito, a secretária providenciava rapidamente a vinda do almoço à mesa de trabalho da chefia. A mesa era posta, com toalha, prato, talheres, etc., pela copeira, sob a orientação da eficiente secretária.

Tudo muito bem organizado, muito distinto e, absolutamente executivo.

A senhora diretora, ao terminar a refeição e sorrir satisfeita (acredito que este gesto era uma espécie de código), a mais que eficiente secretária providenciava para que a louça fosse retirada rapidamente. A mesa ficava pronta. E a mais que satisfeita senhora diretora voltava às atividades executivas, com o furor que lhe era peculiar.

Quase sempre, ou, como direi, sempre, sua primeira atitude era mandar a secretária ligar para um dos departamentos. Queria falar com alguém, sobre alguma coisa. Quase sempre, ou, como direi, sempre, urgente.

Neste dia quis falar com Fulana.

Fulana não estava. Era o começo da tarde, hora do almoço.

– E Beltrano? - perguntou a secretária antecipando sua chefa.

– Também foi almoçar.

– Sicrano?

– Saiu com Beltrano.

Fulana, a minha amiga citada no início da história, ao retornar, recebeu o recado. E, de acordo com a lei do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, prontamente se dirigiu à sala da diretoria.

Ao chegar, escutou da senhora excelentíssima diretora, estas palavras, sem distinção:
– Eu não sei por que vocês têm de sair para almoçar todos os dias!

[Em tempo: Nada sei sobre o almoço da secretária; nem sei se almoçava...]

14 de abril de 2011

Orquestra toca para operários

Há tempos, muito tempo mesmo, alguém, não-me-lembro-quem, me passou a seguinte historinha que compartilho com vocês, caríssimos leitores.

É que este alguém, não-me-lembro-quem, tinha um amigo muito chegado (Este, então, não faço a menor idéia quem seja) que morando em Volta Redonda numa certa época, assistiu um concerto de uma orquestra, realizado exclusivamente para operários locais e suas famílias.

Insisto no fato de não saber quem era este último. Porém, é fácil deduzir que uma vez que o concerto era exclusivamente para operários e suas famílias, o tal amigo muito chegado de alguém, não-me-lembro-quem, deveria ser um operário ou pertencer à família de um.

A apresentação da orquestra constava de um programa variado, compreendendo obras de compositores universais dos mais consagrados, do tipo Beethoven e companhia ilimitada.
Cada música era recebida com entusiasmo, sempre crescente, pela platéia. De tal modo que, ao final do concerto, orquestra e seu regente foram calorosamente aplaudidos.

Enfim, um tremendo sucesso.

No meio dessa manifestação de alegria, um operário pediu para falar, em nome de todos os companheiros presentes.

Disse ele:

– Agradecemos a presença da orquestra aqui, neste dia. Estamos muito contentes pelo concerto que assistimos e pelas músicas tocadas. E queríamos apenas fazer um pedido aos companheiros da orquestra.

O regente, companheiro da orquestra, respondeu sem pestanejar:

– Pois não. Com enorme prazer.

O operário fez o pedido:

– Gostaríamos que vocês voltassem para um novo concerto.

Seguiram-se aplausos mais intensos de todos os presentes.

E o companheiro operário concluiu:

– E que incluíssem músicas de compositores brasileiros no programa para que nós pudéssemos conhecê-las.

12 de abril de 2011

Cobras e Lagartos - 30 anos

Em 1981, o Coral da Cultura Inglesa entrava em estúdio para gravar, pela segunda vez, a obra que compus especialmente para o grupo, Cobras e Lagartos. A primeira, custeada pelos integrantes do grupo e destinada a concorrer a um lugar dentre os classificados para o MPB-Shell 81, promovido pela Rede Globo de Televisão, tinha sido realizada no início do ano. Foi na versão original, coro a capela (ou a cappella), ou seja, sem acompanhamento instrumental.

Desta vez, seria diferente.

Com tudo pago pela produtora, Ariola, o coral estaria “vestido”, literalmente, com um modelito sopros e cozinha, um sexteto composto de 3 saxofones (alto, tenor e barítono), piano, baixo e bateria, criado somente para enfeite, sem promover qualquer alteração na versão inicial.

Quando os integrantes do Coral da Cultura Inglesa chegaram ao estúdio, encontraram gravadas a base e uma introdução orquestral, cuja instrumentação era de 5 saxofones (2 altos, 2 tenores e barítono), 2 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, tímpanos, piano, guitarra, baixo elétrico, bateria e cordas (violinos I – II – III, violas e violoncelos). Esta, compreendendo 30 segundos apenas de um trabalho politonal, feito sobre elementos extraídos da obra coral, fizeram um barulho considerável com a produtora por causa dos custos da gravação. Afinal, 26 músicos em estúdio, mais as “dobras”, para 30 segundos...

Cobras e Lagartos foi selecionada para o festival. Participou das eliminatórias no extinto Teatro Fênix e se classificou para a final, quando recebeu um prêmio especial.

Pouco depois, o Coral da Cultura Inglesa mudou de nome.

Agora, era Cobra Coral.

A história completa desta saga que inclui coral, música, gravação e festival está no texto que escrevi sob o título “Ás voltas com o canto coral”, inserido no livro “Ensaios: Olhares sobre a Música Coral Brasileira”, publicado pelo Centro de Estudos de Música Coral, Rio de Janeiro, com a primeira edição em 2006, e nova edição a sair brevemente pela Funarte.

Com letra e textos de Hamilton Vaz Pereira mais outros não identificados aqui; com música deste que vos escreve; na singular interpretação do Cobra Coral, com orquestra e conjunto; sob a regência de Marcos Leite, com vocês!...

Cobras e Lagartos!


Notas:
[“Dobra” é quando o músico grava novamente sua parte em outra trilha. Como toca outra vez, ganha dobrado.]

[A ficha técnica do disco pode ser encontrada no link abaixo:
http://www.nestordehollandacavalcanti.mus.br/textcoraldacultura.htm ]

10 de abril de 2011

Um apelo solitário aos músicos da OSB

Amigos,

Ontem, sábado, dia 9 de abril, como foi amplamente divulgado pela imprensa, os músicos da OSB Jovem abandonaram o palco do Teatro Municipal, onde seria realizado o concerto inicial da série Topázio, deixando junto com o regente no palco “apenas poucos músicos antigos da orquestra”, segundo informou o jornal O Globo.

Na sexta-feira, um músico, dos que foram demitidos pela direção da FOSB por se recusarem a fazer o famigerado “teste de avaliação”, publicou uma nota aqui no Facebook com a “Carta de músicos que fizeram a prova ao presidente da FOSB”. Posteriormente, divulgou-se que alguns, dos que não assinaram a carta por estarem ausentes no momento da assinatura, se manifestaram a favor do seu teor.

Dito isto, observo o seguinte:

1) Uma orquestra, profissional ou jovem, como qualquer grupo em qualquer áreas de trabalho coletivo, é um conjunto que somente funciona se todos atuarem em comunhão (Comunhão, palavra que além do sentido religioso tem o significado de “conjunto daqueles que comungam os mesmos ideais”. E comungar é “ter em comum com alguém; compartilhar, dividir”).

2) Os músicos que fizeram o famigerado “teste de avaliação” e depois assinaram a carta acima citada, juntamente com os que não assinaram por estarem ausentes, e aqueles (presentes ou ausentes) que também fizeram o teste e tomaram a decisão de não assinar a carta, estavam no seu direito.

3) Uns músicos pediram demissão em solidariedade aos colegas demitidos, mesmo alguns, dentre os que fizeram o famigerado “teste de avaliação”. E outros não se demitiram.

Todos estavam no seu direito e tomaram uma decisão.

É um direito de cada um tomar a decisão que quiser, seja ela certa ou errada. E, claro, é também um dever agüentar as conseqüências pela decisão tomada.

4) Uma vez que todos os músicos tomaram uma decisão, ou seja, ações individuais, e o que determinou estas decisões foi uma única causa (que certamente compreende vários fatores e o famigerado “teste de avaliação”), esta é coletiva, isto é, de todos os músicos da OSB. Deste modo, conclui-se que o litígio não é entre os músicos.

Se o litígio não é entre os músicos, é entre quem?

Seria entre esses e aqueles (Plural!) que instituíram o famigerado “teste de avaliação” e suas conseqüências porque tinham poder para isso?

5) Desestabilizar trabalhadores, criando situações de pânico, é uma ação constante e comum daqueles que têm poder para fazê-lo.

Portanto, meu apelo solitário aos músicos da OSB é o seguinte:

Que entre vocês haja comunhão, união em toda e qualquer circunstância, sem contendas; agora e nos dias que se seguirão.

Nada mais a dizer ou fazer.

Meu forte abraço a todos.

Nestor de Hollanda Cavalcanti (músico)

8 de abril de 2011

Mediocridade e cultura

Segundo o Dicionário Aurélio, mediocridade “[Do lat. mediocritate.], substantivo feminino”, que significa: “1. Qualidade de medíocre; 2. Falta de mérito; 3. Pessoa medíocre.”

mérito “[Do lat. meritu.], substantivo masculino” é o mesmo que merecimento “[De merecer + -imento.], substantivo masculino”, cujos significados são: “1. Qualidade que torna alguém digno de prêmio, estima, apreço, ou de castigo, desprezo; 2. Valor, importância; 3. Superioridade, excelência; 4. Capacidade, habilitação, inteligência, talento, aptidão: merecimento literário; merecimentos científicos”.

E medíocre “[Do lat. mediocre.]” é um “adjetivo ou um substantivo de dois gêneros”. Exemplos: “1. Mediano; 2. Sem relevo”, e, como substantivo: “Pessoa medíocre”.

Acho que chega de mediocridade. Vamos brevemente à cultura.

Ainda o Aurélio, sempre o bom Aurélio, vemos que cultura “[Do lat. cultura.], substantivo feminino” tem diversos significados. Destaco este:

A parte ou o aspecto da vida coletiva, relacionados à produção e transmissão de conhecimentos, à criação intelectual e artística.

Quando alguém publica alguma coisa no Facebook, num blog ou em qualquer página na Internet, tem de saber que a sua publicação se tornará pública, universal. Se a pessoa não quiser que isto aconteça, basta não publicar nada e, uma vez que nada foi publicado, ninguém leu ou viu. Se ninguém leu ou viu, ninguém apóia ou contesta. E se vive em paz...

Por outro lado, há situações em conflito que motivam apoios ou contestações.

No caso de uma situação de conflito, com muito destaque, como é a questão das demissões dos músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) pelos diretores da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB) e as façanhas do diretor “artístico” (FOSB, naturalmente), ninguém tem, necessariamente, obrigação de ficar ao lado de qualquer das partes. Pode também ficar neutro ou indiferente. É um direito de cada um.

É preciso entender isso.

Ditas tais observações, transcrevo agora uma mensagem que li ontem de manhã no Feed de notícias do Facebook, para apreciação geral.

Muitas vozes contra Roberto Minczuk. Até agora só a mediocridade falou. Espero que os que amam a cultura acordem e defendam nosso maestro!” (Não identifico o autor, por faltar na mensagem uma explicação para mediocridade e cultura, além de uma justificativa necessária e, para não sujar este texto, contaminando-o.).

Assumidamente medíocre (de acordo com as definições dadas acima), estou inteiramente desperto e em defesa da “mediocridade falante”

Amo a música, a criação artística (conforme definição para o termo cultura), dedico-me a ela há quase cinqüenta anos.

Faz poucos dias que me coloquei ao lado dos músicos da OSB na sua luta pela própria sobrevivência (Vejam meu texto Indignação!, publicado anteriormente). Mal conheço os atuais músicos da orquestra. Os que eu conhecia mais de perto saíram há tempos.

Não tenho interesses pessoais; interesses escusos, que visam cargos, posições ou prestígio. Nada pretendo com minha atitude. Digo e repito: nada!

Não pretendia escrever mais sobre este assunto, mas a mensagem da manhã de ontem me estimulou. Ficarei por aqui.

Por enquanto.

5 de abril de 2011

Compor pra quê?

Há vários anos, um compositor, brasileiro, já idoso, estava bastante deprimido. Sua esposa, embora preocupada com o estado do marido, teve de sair, enquanto que ele ficou em casa.

O casal residia numa casa própria, com um pequeno jardim e um amplo quintal.

A mulher, sempre preocupada, procurou voltar o mais cedo possível para casa.

Chegando, viu uma fumaça que subia dos fundos. Foi ao quintal. O marido estava sentado num banco, observando uma fogueira feita com uma enorme pilha de papéis velhos, onde ainda era possível identificar partituras manuscritas.

O compositor olhou para a esposa espantada e disse apenas as seguintes palavras:

– Poucos executaram essas obras durante minha vida; depois de morto ninguém mais vai tocá-las.

Faleceu em seguida a este incidente. Algumas de suas obras escaparam do fogo porque estavam em poder de pessoas amigas. Hoje, porém, está praticamente esquecido.

Mais recentemente, outro compositor, brasileiro, talvez inspirado pelo gesto do colega, teve um surto semelhante e quis destruir todo o trabalho de uma vida do mesmo modo, queimando-o. Os amigos o impediram.

Compor pra que?

Os nomes dos protagonistas? Permita-me, leitor, não revelá-los. Casos isolados? Não. Não são casos isolados. Por diversas vezes ouvi de compositores, brasileiros, a confissão de que já teriam tido o mesmo desejo.

Os leitores, sempre atentos, perceberam que destaquei o fato de serem compositores brasileiros. E, sempre atento, poderia perguntar se tal desejo poderia passar na mente de um estrangeiro.

Sem dúvida, meu amigo, minha amiga, sem dúvida. Não vou citar exemplos, nem revelar nomes, mas, acreditem: isto já aconteceu e pode se repetir em qualquer lugar deste nosso planeta.

Não interessa se são latino-americanos, norte-americanos, europeus, africanos ou asiáticos; é como dizem os que gostam de um dito popular, mesmo que seja importado: “c’est tout la même chose”.

E por que isso acontece? Talvez porque os compositores não sejam conhecidos e por causa disso os intérpretes, não os conhecendo, não os apresentam. Talvez os compositores sejam maus compositores e suas obras, consequentemente, são más obras.

Aqui tem um pequeno probleminha. Como saber se as obras são más, uma vez que elas não foram executadas? Ora, diriam os leitores atentos, os intérpretes as examinaram e viram que eram más.

É uma resposta razoável. Já que levantei a possibilidade de que os compositores são maus compositores, então suas obras são obras más. Está certo. Não há o que discutir.

Peço desculpas pela insistência, mas, se por um acaso os intérpretes não entenderam as obras? Sei que parece um absurdo, porém, os amigos leitores têm que concordar comigo ser possível isto. Neste caso, improvável, claro, porque os bons intérpretes com a formação que possuem, não têm quaisquer dificuldades para entender uma obra e, em caso de dúvidas, tenho a mais absoluta certeza de que consultariam os compositores. No entanto, insisto: e se não entenderam as obras?

Uma questão sem resposta.

Em toda a história da música universal sempre houve intérpretes que apresentaram as obras compostas em seu tempo. Esta prática foi o que motivou o desenvolvimento da música em nossa civilização. Se isto não ocorresse, hoje em dia, em todos os meios de comunicação existentes e também, teatros, auditórios, festas, seja lá o que for, estaríamos cantando e escutando, em todas as versões possíveis, vocais e instrumentais, Greensleeves.

Ad nauseum.


4 de abril de 2011

O Porteiro do Conservatório

Era 26 de dezembro de 1979, estávamos na Sala Cecília Meireles, por volta das dez horas, esperando o término das atividades do relógio da Mesbla para iniciar a gravação de mais um disco dedicado à memória musical brasileira. Pilotava o Nagra, Frank Acker, e o piano, Fernando Lopes. Durante cerca de quatro horas, enfrentando os miados, latidos e ruídos diversos da Lapa noturna, aos poucos, foram surgindo as “quadriglias” Caxoeira, Santa Maria, Morro Alto, Saltinho, Mogy-Guassu, Quilombo, e também, Mormorio, A Cayumba, Niny, Anemia, Grande Valsa de Bravura, Uma Paixão Amorosa. Uma beleza! Tudo obra de um seresteiro de Campinas, autêntico pianeiro, de quem, um certo dia, lenda ou não, Verdi, num momento de entusiasmo, teria dito: “Questo giovane comincia da dove finisco io”.

Dois anos depois, a Funarte lançava O Piano Brazileiro de Carlos Gomes. Sim, eram obras dele mesmo - tão acusado de “italiano” mas brasileirão à beça - do autor de Il Guarany, Lo Schiavo e também mais de cinquenta modinhas, como Quem sabe? (Tão longe, de mim distante...). “Um gênio muito maior do que se supunha”, reconheceu Mário de Andrade.

Aliás, a propósito de Lo Schiavo, é interessante observar que na época de sua estréia no Teatro Lírico, a 27 de setembro de 1889, o Imperador tratava da reforma do Conservatório de Música - anexo à Academia de Belas Artes - e, conforme prometeu, iria entregar a direção ao compositor. Em 15 de novembro, caiu o trono e a promessa e o republicano Leopoldo Miguez assumiu a direção do agora Instituto Nacional de Música. “No Rio não me querem nem para porteiro do Conservatório”, escreveu nosso Carlos Gomes um ano antes de morrer em carta a um amigo.

Pois bem: este ano se comemora o centenário de falecimento deste compositor. Uma excelente oportunidade para o Rio de Janeiro mostrar o quanto quer este artista, que, junto com uma meia dúzia de quatro ou cinco, é um patrimônio da nação. Homenagear Carlos Gomes, não está tão longe, de nós distante.

(Texto escrito em fevereiro e publicada na “Revista VivaMúsica!”, março de 1996)

Neste ano, 1996, eu era Diretor de Música do RioArte, órgão da Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro, infelizmente hoje extinto. Uma equipe do RioArte, com uma amiga à frente, preparou um maravilhoso projeto para a comemoração do centenário de falecimento de Carlos Gomes que icluía a apresentação de duas óperas, do oratório Colombo nos teatros do município, mais concertos, recitais, edições de discos e partituras, workshops etc. Foi feita uma requisição de verba no valor de dois milhões e mais alguma coisa. No entanto, a Secretária de Cultura rejeitou o projeto e deu preferência a outro: montagem de uma ópera inédita de Verdi no Sambódramo, Aida.

E gastou mais de três milhões de reais no evento.

Veja os detalhes do disco e ouça as gravações: O piano ‘brazileiro’ de Carlos Gomes



2 de abril de 2011

Guerra-Peixe, “seu maestro”.

Comecei meus estudos musicais com Guerra-Peixe na Pro-Arte, em 1967. Depois de não passar pela prova de ditado musical, uma obra de Bartok que fazia todo mundo dançar e o Guerra se divertir, comecei a estudar o “suficiente de harmonia.”.

Não deu um mês de estudo e o Guerra me mandou compor uma peça para a apresentação dos alunos no final do ano. Tentei argumentar que não sabia nada, mas ele determinou:

– Faça qualquer coisa. Uma peça pra flauta e violão...

Fiz e mostrei pra ele. Acreditem: ele não mexeu numa nota. Somente disse uma palavra, palavra esta que juntamente com mais duas, eram permanentemente ditas ou escritas por ele para o aluno durante o curso:

– Tá!

As outras duas eram: “É” (que junto com o “Tá” significava “trabalho satisfatório”, “bom”, “muito bom” ou “ótimo”) e “Re-fazer” (Esta última escrita na pauta com a nota ré). Aliás, viva re-fazendo meus exercícios...

Larguei os estudos no final de 1969. Em novembro do ano seguinte, morre meu pai e, no dia seguinte ao seu enterro, ligo pro Guerra:

– Maestro, quero voltar a estudar música. Mas, não posso pagar as aulas.

– Apareça na sexta no museu (Museu da Imagem e do Som).

Voltei a estudar. E tome de “Tá”, “É” e “Re-fazer”. Sempre com a predominância do último, é claro! E levava meus trabalhos, exercícios, composições pra ele ver, semanalmente.

Não faltava às aulas, que não era besta.

– Só fez isso? Dizia depois de ver a montanha de trabalhos que trazia.

– O próximo...., falava com um duplo sentido explícito.

Então, eu sentava na cadeira junto ao piano e ele começava a ver os trabalhos. A cinza do cigarro crescia e caia sobre seu colo. Às vezes, um cochilo de leve... E, no fim, olhando fixamente pra minha cara, com os olhos meio fechados por causa da fumaça do cigarro, dizia um dos seus três conceitos favoritos.

Eu escrevia um bocado. E ai de mim se não fizesse assim. Dançava direitinho. O Guerra, com razão, não admitia aluno faltoso ou preguiçoso.

Lembro-me que, ainda inexperiente, queria aprender orquestração. Via os colegas fazendo os trabalhos e ficava com uma certa inveja. Então comecei a “orquestrar” por conta própria meus exercícios de harmonia e os levei para serem apreciados.

– Você está ficando um bocado saidinho... Compre o Casella, o Korsakov e o Álbum para a juventude do Schumann.

Ele era um músico essencialmente prático. Suas aulas eram práticas. Exigia do aluno trabalho e dedicação. Tinha um método próprio de ensino, suas apostilas eram práticas, objetivas e visavam fazer com que o aluno escrevesse música. Fazia observações preciosas. Suas dicas eram determinantes. Uma vez, vendo a dificuldade dos alunos com o contraponto, mudou a maneira de ensinar a matéria.

– Vamos começar pelo contraponto florido.

Foi uma revolução. Abriu a mente de todo mundo. E logo, todos estavam brincando com o velho contraponto.

Guerra-Peixe era um nacionalista, seguidor da estética de Mário de Andrade, Porém, nunca tentou me conduzir por este caminho ou por qualquer outro. Sempre fiz o que quis e levei os trabalhos sem nenhum receio pra ele ver. E o gordinho via tudo com atenção.

Preocupado com a formação dos alunos, indicava livros, partituras e professores.

– Procure a Esther (Esther Scliar).

Estudei algum tempo com ele e depois a vida nos separou. Nos reencontramos anos depois. Estava na fase da gafieira. Tentei convencê-lo a escrever um livro sobre orquestração. Afinal, ele era um dos maiores orquestradores brasileiros e tinha uma prática fantástica. Porém, apesar dele me prometer que iria pensar no assunto, optou pela gafieira. Ele estava feliz assim. Respeitei, lamentando. Que obra não sairia!

Mantive contato com ele até a sua morte que, curiosamente, foi no dia do meu aniversário. Devo muito a Guerra-Peixe, também conhecido como “seu maestro”. Seu temperamento forte ofuscava sua generosidade.

Seu Maestro! Minhas saudades...

(Texto escrito em agosto de 2001 e publicado em “Guerra-Peixe: Um músico Brasileiro”, Lumiar Editora, Rio de Janeiro (2007)

Veja detalhes e ouça as gravação da A Retirada da Laguna, de Guerra-Peixe:

http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/discos-pro-memus/documentos-da-musica-brasileira-vol-1-compositores-dirigem-suas-obras-guerra-peixe-a-retirada-da-laguna-1979/

1 de abril de 2011

Café do amanhã

Vou compartilhar uma historinha (“Compartilhar” é um verbo muito popular nesse dias...), absolutamente verdadeira, vivida por este degas aqui.

Vou a ela.

Há alguns anos, minhas sobrinhas costumavam passar os dias da semana sob os cuidados da avó, minha mãe, enquanto minha irmã estava no trabalho. E o tio aqui fazia o papel de pai, em alguns instantes, claro. Quando as meninas levantavam, encontravam a mesa posta, com tudo a que tinham direito. Era sentar e comer. O titio, implicante como ele só, costumava dizer:

– Um dia, quando vocês tiverem suas próprias casas, vão levantar e a mesa não estará posta. Aí, vocês irão procurar as coisas para colocar na mesa: o pão, por exemplo. Porém, o pão não estará lá, nem em lugar nenhum, porque vocês não compraram o pão. Não compraram a manteiga, o leite, o café, o queijo, as frutas, etc. e tal.

Quando uma das minhas sobrinhas se casou e, após as férias nupciais, acordou em seu primeiro dia na casa nova, lembrou-se das minhas palavras: “a mesa não estará posta”.

Não estava.

Assim, ela foi pôr a mesa. Colocou a toalha, a louça e... o pão, a manteiga, o leite, o café, o queijo, etc. e tal estavam onde deviam estar, porque ela e meu novo sobrinho haviam feito as compras na véspera.

Meus sobrinhos compraram porque tinham grana para pagar. Tinham grana para pagar porque receberam salários. Receberam salários porque estavam trabalhando e empregados.

Hoje, acredito, de boa fé, que os músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB. É como conheci. É como a identifico.) que estão desempregados, quando levantaram e puseram a mesa, tomaram o seu café da manhã. Acredito, de boa fé, que almoçaram, lancharam e jantaram, porque, apesar de desempregados, ainda tiveram grana para comprar seus suprimentos.

Ah! Que cabeça a minha! Quase ia me esquecendo: os músicos e suas famílias, claro. Que cabeça a minha! Não é que músico tem família? Eu devia saber isso de cor e salteado. Afinal, tenho família e sou músico. Não um instrumentista (Atualmente, nem daria para ser) ou um regente. Sou um compositor. E, para quem não sabia e ficou sabendo agora, afirmo: o compositor é músico! (E ainda escrevo sobre isto).

Então, acredito que o café da manhã, almoço, lanche e jantar estiveram garantidos, hoje, para os músicos da OSB e suas famílias, porque, apesar de desempregados, ainda tiveram grana para comprar seus suprimentos. De boa fé, sempre de boa fé.
Músicos ou não, todos aqueles que estão empregados, certamente recebem seu salário. Consequentemente comem todos os dias.

Os empregadores comem todos os dias. Eles são quase como todos os que estão empregados. Mas, há algumas diferenças entre empregadores e empregados. Por exemplo: a qualidade das refeições (brioches e croissants no lugar do pãozinho francês no café da manhã...), “retiradas” no lugar de salário. E, para os empregadores existem as terríveis preocupações com as ações na Bolsa de Valores; para os empregados, o terror do desemprego. Porém, essas “coisinhas” não alteram as semelhanças; os dois, empregadores e empregados comem todos os dias.

Hoje, não de boa fé porque isto não faz a menor diferença, acredito que os empregadores, ou seja, os diretores da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB; não a Orquestra Sinfônica Brasileira, porque esta tem metade dos seus músicos desempregados.) e suas famílias tomaram o café da manhã, almoçaram, fizeram o seu lanchinho e jantaram, porque os empregadores comem todos os dias.

Eles são quase como todos os que estão empregados.

Eles comem todos os dias.