11 de junho de 2011

A história de umas “teses”. A continuação.

Foi o Guerra-Peixe quem me convenceu a fazer o vestibular para a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cursar composição, persistir e obter o título oficial que me classificaria como compositor, pois, apesar dos meus argumentos de que “já estudara harmonia, contraponto, morfologia, análise, orquestração e possuía diversas obras", a argumentação dele foi mais forte: o diploma.

Os amigos, como eu, sabem muito bem que não há emprego para compositor no Brasil (Nem na Guatemala, no Canadá, na Itália, no Japão etc., etc...).
Assim, às 7 horas da manhã de sol de uma segunda-feira de março de 1974, lá estava eu na porta do tradicional prédio da Rua do Passeio, na Lapa. Ali encontrei um novo amigo, também candidato a compositor diplomado e, muito mais que eu, disposto a encarar os sete anos do curso de composição da dita universidade. Ficamos batendo papo, esperando que as portas se abrissem para que pudéssemos ter nossa primeira aula.
Para mim, foi apenas uma aula. Sai logo depois de terminar e abandonei o curso. O motivo? A “Tia”, isto é, a “professora”, começou sua matéria, harmonia, do currículo do curso superior de música de uma universidade, com a seguinte pérola:

– As notas musicais são sete: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si...

Pensei comigo, “não vai dar!”, e desisti do diploma.

Passados alguns anos, a pedidos de amigos, voltei. Mas, mais uma vez a harmonia reprovou meu título de compositor.

Ocorreu que numa aula, durante a realização de um baixo cifrado em dó maior, feito sob mínimas em compasso quaternário, quando cada um dos alunos completava o acorde correspondente a nota, tarefa dificílima que exige muita perícia, coube a mim a cadência final, cadência perfeita (V7-I). Um sufoco!

A “tia” da vez resolveu explicar a cadência após o término do “exercício” e disse uma asneira sem conta. Não agüentei e a corrigi.

Com a tréplica da “mestra”, me decidi e decidido estou até os dias de hoje. E adeus diploma!

Não me formei, mas, através dessas aventuras harmônicas, conheci vários amigos com os quais mantenho forte amizade. Dentre eles, o que encontrei naquele dia na porta da Escola de Música da UFRJ, Antonio Jardim e, na “aula de harmonia”, José Schiller.

Antonio Jardim, José Schiller e eu. Foto publicada no Diário de Notícias, em 28.03.1976
Compartilhando das mesmas idéias, acabamos formando um grupo aberto de estudos musicais e afins, que perdurou por algum tempo. Muita gente participou dessas aventuras e não poderia citar todos. Alguns foram mais constantes, outros nem tanto. Idéias surgiram e se desenvolveram; outras se extinguiram naturalmente.

Por fim, como resultado de muito papo e reflexões que foram um dia iniciadas na época tranqüilíssima do governo do General Emílio Garrastazu Medici, como já narrei, e desenvolvidas no período tranqüilo do governo do General Ernesto Geisel (Ah, a juventude!...), Antonio Jardim e eu fizemos as “Teses sobre a música”, publicadas na revista “Encontros com a Civilização Brasileira nº 8”, pela Editora Civilização Brasileira, em fevereiro de 1979.

Abaixo, o texto em PDF.

http://www.nestordehollandacavalcanti.mus.br/Teses_sobre_a_musica.pdf

Hoje, em plena democracia, assim dizem as boas e más línguas, não haveria mais necessidade de se mexer neste “antigo” texto. Porém, em vista dos últimos acontecimentos “musicais” e com a concordância de Antonio Jardim, amigo e parceiro no trabalho, resolvi fazer uma revisão nos originais.

Portanto, a seguir: A história de umas “teses”. Revisão.

9 de junho de 2011

A história de umas “teses”. O início.

Há uns muitos vários anos, um amigo e parceiro de algumas canções, me fez uma proposta para estudarmos juntos alguma matéria que fosse de interesse comum a nós dois. Apresentou três assuntos para escolher. Confesso que não me lembro direito quais eram os três, mas, preferi um que, por sinal, era a seu preferido.

Feita a escolha, ele me trouxe um livro, do qual possuía dois exemplares. Um era dele e o outro pertencia a sua namorada que, por não se interessar pelo estudo, me emprestou prontamente.

Segurei o exemplar interessado e o folhei. Não tinha o nome de editora, nem data de edição e no título vinha um erro nem um pouco imperceptível, sugerindo uma tradução feita sem muito cuidado.

Assim, tomei contado com “Os conceitos elementais do materialismo histórico”, da chilena Martha Harnecker.

Nossos encontros eram elementais, isto é, semanais. Um dia, na minha residência; outro, na dele. Algumas vezes, nos reuníamos no apartamento dos pais da sua namorada ou na casa da tia dele, onde tínhamos mais sossego para as nossas reflexões.

Estas “reflexões” consistiam em se procurar analisar sob a luz da dialética materialista os assuntos aos quais nos dedicávamos; no meu caso, a música e meu amigo, o teatro.

A época para tal estudo era perfeita, de tranqüilidade absoluta. Governava o país o General Emílio Garrastazu Medici.

Nossos estudos foram intensos e duraram várias semanas. Meu amigo, algum tempo depois, formou um grupo de teatro e me convidou para participar deste como músico e compositor. Porém, eu, um tímido crônico e convicto, procurei gentilmente declinar do convite.

Continuei meu estudo sozinho, Hamilton Vaz Pereira e o “Asdrúbal trouxe o trombone” seguiram sem mim, o que não lhes fizeram nenhuma falta. Já o livro que me foi emprestado, ainda se encontra comigo. Está inteirinho e espero devolvê-lo um dia à sua dona de direito, Regina Casé.