14 de março de 2011

Em compasso de espera

Em uma antiga emissora de televisão – numa época em que os bichos falavam e assistia-se programas de TV com música ao vivo em emissoras que possuíam orquestras completas e diversos conjuntos instrumentais fixos, um diretor de finanças de uma dessas emissoras observava, com visível irritação, um ensaio da orquestra. Será que ele não gostava de música? Talvez até gostasse. Porém, o que ele estava vendo, com indignação, era o fato de um dos músicos permanecer a maior parte do tempo parado, enquanto que os outros tocavam seus instrumentos. O mui observado era o cara do flautim.

Após vários minutos de intensa reflexão com “sentimento de cólera despertado por ação indigna”, como define o Aurélio, ele expõe sua aversão a outro diretor, este responsável pelas relações públicas, que estava a seu lado por dever do ofício:

– O que é que aquele sujeito está fazendo na orquestra, se ele passa a maior parte do tempo parado? Está ganhando sem trabalhar! Quando acabar o ensaio, vou chamá-lo, adverti-lo e, se for o caso, demiti-lo. Precisamos economizar os gastos.

Seu colega de diretoria, das relações ditas públicas da televisão perdulária, tenta explicar a terrível cena que atormenta o das finanças:

– Mas ele está trabalhando; a sua parte tem pausas. Você queria que o flautinista tocasse o tempo todo?

A quem interessar possa, explico que parte é uma espécie de guia impresso ou manuscrito, em forma de um caderno ou folhas soltas, contendo uma parte da partitura de uma obra musical, que fica na frente dos músicos enquanto tocam. Então, quando for o caso, há a parte do flautim, a parte da flauta, do violino etc. Enfim, são umas folhas de papel cheias de bolinhas e risquinhos que tanto intrigam os leigos, com exceção, claro, de alguns diretores de finanças...

E, antes que alguém pergunte, partitura é uma espécie de guia impresso ou manuscrito, em forma de um caderno ou folhas soltas, contendo a obra musical inteira, que fica na frente do regente, também chamado de maestro. Este músico fica de pé, parecendo espantar moscas e mosquitos, mas está regendo a orquestra, composta de músicos sentados ou em pé, que tocam ou dormem, roncando no ritmo, aguardando sua deixa.

Explicação meio complicada; mas não há outra...

Pois é. Voltando, então. Para aqueles que, num lugar apropriado para este exemplo (um lugar que tenha um palco com músicos em cima em plena atividade), observam, como fez o econômico diretor (leia-se “mão de vaca” diretor), um músico ocioso (o cara do flautim, por exemplo, objeto de tanta ira), enquanto que seus colegas de profissão se matam de trabalhar, explico: não significa que o rapaz seja um tremendo de um preguiçoso, não. Ele aguarda o momento de sua entrada; o momento de começar ou voltar a tocar.

E nesses momentos, embora esteja esperando a sua deixa, um sinal para voltar a tocar, qualquer músico fica meio que à toa; principalmente, se a espera for longa.

Vejam só isto. Conheci um senhor, muito distinto, que, enquanto esperava, dormia profundamente o sono dos infantes. E até roncava; um ronco no ritmo! Mas, nunca perdia sua deixa. Diferentemente deste personagem, o resto dos mortais em música fica pensando, refletindo, preocupando-se.

Quando acontece este momento de filosofia antedeixa, saibam todos que este que vos fala, digo, escreve, é um músico em compasso de espera. Passem por aqui, a gente bate um papo.
Flautim montado e no estojo
[Em tempo: O flautim é um instrumento de sopro, da família das flautas. É o mais agudo dos instrumentos de uma orquestra ou banda. É de difícil execução, exige bastante do músico.]

Um comentário: