4 de maio de 2011

Quanto tempo demora?

Durante muitos anos dei aulas de violão, em minha residência ou em domicílio (Detesto “em domicílio”). A partir de certo tempo, passei a lecionar no Conservatório Brasileiro de Música, seção Tijuca, e na Escola de Música Villa-Lobos. Isto, juntamente com as aulas particulares.

Era assim que sobrevivia. Assim sustentava meus estudos de composição. Não as aulas com Guerra-Peixe, porque estas eram gratuitas, mas, para ter os livros e partituras, em sua maioria importados, discos LPs, alguns também importados, e material para a escrita musical (papéis com 12 ou mais pentagramas, incluindo vegetal para matrizes, mais canetas, lapizeiras, etc.). Para estudar, precisava dar muitas aulas.

Meu interesse pelo violão começou quando ouvi pela primeira vez gravações de Dilermando Reis, Luiz Bonfá, Baden Powell “and The Beatles, of course.” Movido por esse interesse diversificado, tive aulas com Yvone Rebello, Elpídio Pereira de Faria, Pereira Filho e Jodacil Damasceno, sendo que este último me apresentou a Andres Segovia e companhia, abrindo meus ouvidos e mente para o universo do instrumento.

Dava aulas por música e por cifra, ou seja, “de oitiva”, como diziam alguns. Não era minha a escolha. Apresentava as opções, suas vantagens, dificuldades e limitações. Tinha a minha preferência, por música, claro. Mas não a impunha. Tudo dependia do aluno. Como precisava sobreviver, não discutia e fazia a vontade do freguês.

Nas aulas em domicílio, carregava comigo meu instrumento e algum suporte; dentre estes, um carimbo com cinco trastes do braço do violão, para os acordes e suas cifras, junto com um caderno com letras de músicas cifradas previamente.

Quase sempre, o aluno queria tocar uma música fora do esquema. Então, comprava umas revistas com letras de músicas de sucesso (nem sei se ainda existem!), com cifras geralmente erradas, tinha de aprender a música para poder ensinar. Era dose...

Para os que levavam a coisa mais a sério, tinha um método próprio, que, naturalmente, dependia da vontade do aluno. Ensinava-os a ler, utilizando o violão, e compunha pequenas peças à guisa de estudos. Ainda, atendendo ao interesse individual, minhas aulas, muitas vezes, invadiam os terrenos da harmonia, morfologia, acústica, estética. Isto ocorreu, principalmente, no tempo em que estive na Villa-Lobos, porque alguns alunos costumavam trazer suas dúvidas para mim e a gente acabava esquecendo por completo o astro principal...

Foram muitos alunos. Alguns entraram firme pela música a dentro, se desenvolveram no violão ou até em outros instrumentos, e vários se tornaram compositores.

Apesar de ser um tempo bastante difícil para mim, são boas as lembranças. E também algumas bastante desagradáveis.

Era bastante comum o aluno faltar ou não estar em casa, exatamente no dia do pagamento das aulas. Muitos foram os calotes. Um deles, oficial, foi o da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro que não me pagou o último período de aulas na Escola de Música Villa-Lobos. Ficaram me enrolando, enrolando e eu, agora com emprego fixo na Funarte, com os horários completamente tomados, deixei para lá e a coisa morreu. Foi em Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros), uma grana boa na época (Falo de 1979. Hoje não faço a menor idéia de quanto seria), que fizeram falta no orçamento doméstico.

A maioria dos alunos, com raras exceções, tinha duas frases que repetiam, ad nauseam, em qualquer domicílio, meu, dele ou escola:

– Professor, esta semana não deu para estudar, porque... (O cachorro fugiu. Tive provas. Não deu. Não me deixaram...).

Esta era a mais constante. Porém, a minha favorita era uma outra, uma pergunta, formulada uma única vez na primeira aula, que trazia à minha mente, rapidamente, as dezenas de horas de estudo gastas com escalas, Sor, arpejos, Villa-Lobos, ligados, Tarrega, trêmulos, Ponce, mordentes, Brower etc., etc., mais etc. e tal:

– Quanto tempo demora para aprender violão, professor?

2 comentários:

  1. poxa...este texto meu deu um Deja Vù de nosso bate-papo financiado por Graham Bell...

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  2. A frase final correta é: - Quanto tempo leva para aprender violão, professor?
    Em vez de "leva" preferi, contra minha vontade, "demora", evitando o "dialeto carioca", meu idioma natal...

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