9 de maio de 2011

Eu não sei escrever

Eu não sei escrever. Não sei escrever textos de qualquer espécie. Não sei escrever poesias. Não sei escrever contos. Não sei escrever romances. Procurem livros meus de poesias, de contos, um romance, unzinho. Não encontraram? Procurem nos sebos, vejam na internet. Se acharem, me avisem. É um impostor. Liguem para o disque-denúncia, urgente!

Também não sei escrever crônicas. Meu pai sabia. Era um craque no assunto. Manejava as palavras com extrema facilidade. Era o cara...

Por outro lado, apesar de não saber escrever, escrevo. Se o leitor chegou até aqui é porque está lendo o que estou escrevendo. E, mesmo não sendo o velho, consegui trazê-lo até aqui, amigo leitor, sem dizer coisa com coisa...

Habilidade ou enrolação?

Eu não sei escrever música. Sim, é aqui que a coisa com coisa pega.
Uma confissão? Não, não é uma confissão. É uma acusação que tenho escutado, indiretamente, há anos:

– Ele não sabe escrever.

Isto nunca foi dito na minha cara. Não sei por que. Sou um homem de paz. Embora filho de um nordestino invocado, neto de um operário caçador de ladrões com barra de ferro na mão e bisneto de um calabrês, cheio de histórias estranhas – por que não dizer? –, violentas (Três personagens cujas aventuras ficariam bem em vários livros), sou um homem de paz.

Sempre aparece alguém, “mui amigo”, que vem me dizer que outro alguém, “mui mais amigo”, disse para outro alguém, “muitíssimo mais amigo”, a frasezinha agradável e incentivadora:

– Ele não sabe escrever.

É esta ou uma variante, também bastante comum:

– Ele não sabe nada.

É sempre por trás, nunca na cara, de forma covarde e cruel.

Há poucos dias, um músico amigo de longa data, virtuose no seu instrumento, professor responsável pela formação de figuras de enorme expressão neste instrumento, me contou uma deliciosa história passada com ele.

Era um ensaio de orquestra. A obra, um arranjo de uma peça de Waldemar Henrique para canto, sopros e cordas, feito por um cara de nome no meio.

Muito bem.

Ao ver a sua parte, disse meu amigo, dirigindo-se aos colegas, também feras, figuras históricas, nos seus instrumentos:

– Este arranjo é fraco.

E concluiu:

– Vejam: está cheio de semibreves...

O ensaio começa e a “droga do arranjo” soa que é uma beleza!

Meu amigo se rende à evidência inquestionável:

– Eu estava errado. Não tinha entendido o que queria o arranjador quando vi a minha parte. Mas, quando ouvi o resultado final é que compreendi.

Os personagens desta história, ainda não citados, são: a Orquestra de Câmara de Blumenau, regência de Norton Morozowicz. Dentre os colegas estavam Noel Devos, fagote e Luiz Carlos Justi, oboé. Não sei dizer quem estava na flauta e a cantora. Mas, meu amigo é José Botelho, clarineta, cujas histórias dariam vários livros.

O arranjador?

Guerra-Peixe. Meu professor de composição entre 1967 e 1973.

Se não aprendi nada com ele, podem dizer à vontade:

– Ele não sabe escrever.

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