Sempre gostei de uma boa estória. Desde criança,
gostava de ler e de ouvi-las e autores como Monteiro Lobato, Andersen, Dickens
e outros faziam parte do meu cotidiano. As fábulas, historietas, contos e
novelas me agradavam em cheio. Acompanhava-as também através da televisão. No
meu tempo de criança, a televisão era feita ao vivo e havia diversos programas
de teatro. Um deles, meu favorito, era o “Teatrinho Trol”, com peças infantis.
Uma das estórias que foi apresentada, e que logo me tornei admirador, foi uma adaptação do conto “A roupa nova do rei”, de
autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen.
Tenho a impressão que todos conhecem a trama. Se não, com
licença do Andersen (!...), vou fazer um pequeno resumo do que se trata. Peço apenas
que o leitor, em sua infinita bondade, perdoe minha falta de talento assumido
para a literatura infantil, juvenil etc., etc.
Num reino, reino típico de estórias infantis, ou seja, sem uma clara localização geográfica, havia naturalmente um rei. Rei vaidoso e egoísta que só pensava em si mesmo e não nos interesses do reino e de seu povo (fato raro de se ver hoje em dia...). Pois bem, um dia, aparece perante ele um alfaiate, um alfaiate mágico, que se propõe a fazer-lhe gratuitamente uma roupa especial para que seja usada na festa mais importante do reino, na data tal e não importa qual.
O rei fica entusiasmado e, ao saber que nada pagaria
pelo trabalho, aceita a oferta, feliz. O alfaiate, então, lhe apresenta um baú
a qual chama de mágico, onde estão os tecidos com os quais ele fará a tal
roupa. Porém, adverte ao monarca que somente os tolos não conseguiriam ver os
tecidos, suas texturas e cores. Mas os sábios veriam e se deleitariam.
O alfaiate abre o baú e o rei, juntamente com os seus
auxiliares, ministros e outros menos votados, ao olhar para dentro da caixa,
afirmam imediatamente, sem vacilar, o quão lindo eram os tecidos, as texturas e
as cores. E ficam entre si tecendo os mais elogiosos comentários.
Com o passar dos dias, a roupa é confeccionada. E são
feitas várias provas com o próprio rei como modelo e todos os que veem o
desenvolvimento do trabalho concordam que sua majestade ficará, sem dúvida
alguma, elegantemente trajada.
No dia da festa, surge o rei vestido com sua nova
roupa. Seus auxiliares diretos e ministros festejam exultantes. E ele, vaidoso,
entra em sua carruagem real aberta para dar uma volta pelo seu reino e ser
admirado pelo seu povo. Seus súditos sabiam desde o princípio da estória que
somente os tolos não enxergariam a roupa e, então, ao verem o rei no seu coche,
gritam entusiasmados:
- Que tecido, que textura, que cores! Viva a roupa nova
do rei! Viva o rei!
E o rei, naturalmente, orgulhosíssimo.
Tudo vai correndo muito bem até que um menino, um
menino bem pequeno, um tolo claro, meio que perdido no meio da multidão, ao ver
o rei em seu novo traje, grita, revelando a todos o óbvio:
- Mas o rei está nu!
O final da estória, o leitor pode imaginar com
facilidade.
Contei uma estória. Agora, se você me permitir, paciente
leitor, contarei uma história.
Há alguns anos, estava exercendo o cargo de diretor da
Divisão de Música do Instituto Municipal de Arte e Cultura - RIOARTE, órgão do
governo municipal da cidade do Rio de Janeiro, hoje infelizmente extinto.
O setor que eu dirigia era responsável pela realização
de concertos e recitais de música dita erudita e dita popular, e também por
edições de partituras e discos. Num dos recitais que organizamos, tivemos a
oportunidade de apresentar um conjunto de câmara oriundo de um país do norte da
Europa que era especializado na chamada música contemporânea.
Por uma questão de ética, não citarei o nome do
conjunto e nem o país, caro leitor. Perdoe-me mais uma vez.
O conjunto foi programado para o Espaço Cultural
Sérgio Porto aqui no Rio de Janeiro. O Sérgio Porto era (não sei se
ainda é) um local onde se realizavam eventos de todo tipo, sejam eles de
música, de dança, teatro, poesia e também exposições de artes plásticas.
E programado para o único dia que dispúnhamos livre, uma
segunda-feira. Dia ruim para eventos deste tipo.
Apesar de toda divulgação que fizemos, não conseguimos
atrair ao teatro mais do que 20 pessoas.
O recital durou cerca de uma hora e meia e foi
excelente, o grupo era muito bom. Eu, porém, estava um pouco envergonhado pelo
pequeno público e pela reação fria ao trabalho deles. Já me preparava para
tentar explicar aos membros do conjunto que o problema da segunda-feira quando,
pela minha surpresa, percebi o entusiasmo dos integrantes do conjunto com a
platéia presente. Eles estavam felicíssimos. Tinham adorado a reação do público
e o “maravilhoso” (sic) número de pessoas que tinham assistido a apresentação.
- Geralmente, quando fazemos nossos recitais na
Europa, temos um público de 4 a 6 pessoas. Já tocamos até para duas pessoas. E,
além disso, o público é muito frio! - concluiu um dos músicos entusiasmado.
E eu que achara o nosso pequeno público frio...
Então, perguntei a eles por que o conjunto, que era
muito bom, com excelentes músicos, continuava fazendo exclusivamente um só tipo
de música, para tocar para públicos pequenos e frios:
- Não seria o caso de se ampliar o trabalho? –perguntei.
Não falo de uma mudança radical, mas de um repertório mais abrangente de
estilos e gêneros e assim alcançar um público maior e mais... quente?
A resposta, surpreendente para mim, pelo menos, foi
dada por dos um dos integrantes do conjunto, com o aval de todos:
- A crítica não aceitaria mudanças.
Veja meu caro leitor, que tecido, que textura, que
cores!
Viva a roupa nova do rei!
Nenhum comentário:
Postar um comentário