Como vivia um cantor lírico na extinta URSS?
A resposta está abaixo, extraída do livro DIÁLOGO BRASIL-URSS, escrito por Nestor de Holanda, meu pai, após sua viagem à União Soviética, em 1959. Foi publicado pela Editora Civilização Brasileira, com a 1ª edição em 1960. A seguir, transcrevo a nota do autor para a 2ª edição de 1962:
"Reuni perguntas de cem brasileiros, reconhecidamente anticomunistas ou indiferentes. E, na União Soviética, onde visitei oito das quinze repúblicas, e algumas dezenas de cidades, entrevistando gente nas ruas, nos bondes, lojas, escritórios, em toda a parte, obtive as respostas de pessoas cujas profissões correspondem às dos perguntadores.
Assim, eis um livro insuspeito, sobretudo elaborado com absoluta imparcialidade. Não é contra nem a favor do comunismo; é, apenas, esclarecedor. A bem da verdade, devo dizer, entretanto, que não sofri qualquer restrição, na URSS, ao elaborá-lo. Pelo contrário, recebi colaborações e aplausos. E tanto as perguntas como as respostas foram autenticadas pelos respectivos autores, estando comigo, à disposição de qualquer interessado, todos os originais.
É difícil cotejar o nível de vida do Brasil com o da União Soviética. São tão diferentes que não temos como fazer comparações. Além disso, lá, as taxas de câmbio variam conforme a natureza da operação. No comércio internacional, com um dólar se obtêm quatro rublos; no câmbio turístico, um dólar vale dez rublos. Por aí, talvez o leitor possa calcular alguns valores, mas não conseguirá aquilatar o padrão de vida no país, e, muito menos, confrontá-lo com o nosso.
Finalmente, aí está, em nova edição, este livro, que, propriamente, não é meu, pois fui, tão-só, portador de perguntas e respostas, mas cujo êxito é motivo de grande orgulho para a minha tarefa jornalística.
Nestor de Holanda"
70 (1)
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Teatro Municipal do Rio de Janeiro |
Respostas de CONSTANTINO LÁPTEV, do Teatro Mariinski de Ópera e Balé de Leningrado (2) (3).
– É grande o êxito do teatro lírico? quantas récitas de uma ópera podem ser levadas numa temporada?
– É imenso o êxito obtido, sempre, por nosso teatro lírico. Posso julgar este sucesso, facilmente, porque já trabalhei em diversos países: Alemanha, Polônia, Iugoslávia, Checoslováquia etc. Conheço vários públicos. Assim, garanto que poucas platéias têm tanto entusiasmo pela ópera, como a nossa. Em todos os lugares da União Soviética, a arte lírica está sempre em primeiro plano, na preferência popular. Aqui, em Leningrado, por exemplo, realizamos temporadas anuais de 10 meses. Encenamos, por ano, de 180 a 200 óperas. E cada peça vai à cena de 15 a 20 vezes, em média (4).
– O artista pode viver, exclusivamente, do teatro lírico?
– Mas é lógico! Os salários fixos vão de 2.000 a 7.000 rublos. Damos, ainda, nossos concertos, participamos de espetáculos especiais, filmes, gravações, programas de rádio e TV etc. Há também os que ainda trabalham nos conservatórios, como professores. Enfim, vivemos especialmente para nossa arte, e, assim, vivemos muito bem. Quando o cantor lírico tem de exercer outra profissão, sua carreira artística fica sempre prejudicada.
– O artista lírico é popular e querido em todas aí camadas sociais?
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Teatro Mariinski de São Petersburgo |
– De que maneira o artista lírico é revelado t aproveitado?
– Primeiramente, faz o curso de 10 anos normais. Depois, 5 anos de conservatório. Os teatros realizam concursos, todos os anos (alguns os fazem, até, duas vezes por ano). Os cantores diplomados concorrem a esses certames. Se aprovados, são contratados. Os alunos do 5° ano do conservatório também podem praticar nos teatros. E, quando obtêm êxito, são aproveitados, às vezes, sem que necessitem de participar dos concursos.”
Notas do autor e do editor:
(1) Número de ordem do entrevistador no livro (N.E.).
(2) Ambos – tanto o perguntador como o respondedor – são barítonos. Constantino Láptev tem o honroso título de "Ator do Povo da União Soviética", que é a maior condecoração que um artista pode almejar no país.
(3) Leningrado é atualmente São Petersburgo (N.E.).
(4) O cantor não soube responder, sozinho, ao número de óperas que seu teatro encena, por ano. Foi necessária a presença de uma senhora da secretaria, com um livro de registros, para fornecer os dados necessários. Vale a pena informar, ainda, que um só teatro tem vários elencos, como no caso de Leningrado. Às vezes, duas óperas são montadas, num só dia, por conjuntos diferentes: uma à tarde; outra, à noite.
(5) Revelação das mais surpreendentes, para os que julgam o "ballet" o gênero de arte mais popular, na União Soviética. Já no capítulo XVI, quando a atriz cinematográfica Irina Scóbtzeva respondeu a Eliana, tivemos a informação de que o filme "A noite do carnaval", que passou seis meses em cartaz, em todo o país, foi mais assistido do que todos os espetáculos do Bolchoi durante cem anos...
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