21 de janeiro de 2012

Sérgio Napoli entrevista Constantino Láptev

Como vivia um cantor lírico na extinta URSS?

A resposta está abaixo, extraída do livro DIÁLOGO BRASIL-URSS, escrito por Nestor de Holanda, meu pai, após sua viagem à União Soviética, em 1959. Foi publicado pela Editora Civilização Brasileira, com a 1ª edição em 1960. A seguir, transcrevo a nota do autor para a 2ª edição de 1962:

"Reuni perguntas de cem brasileiros, reconhecidamente anticomunistas ou indiferentes. E, na União Soviética, onde visitei oito das quinze repúblicas, e algumas dezenas de cidades, entrevistando gente nas ruas, nos bondes, lojas, escritórios, em toda a parte, obtive as respostas de pessoas cujas profissões correspondem às dos perguntadores.

Assim, eis um livro insuspeito, sobretudo elaborado com absoluta imparcialidade. Não é contra nem a favor do comunismo; é, apenas, esclarecedor. A bem da verdade, devo dizer, entretanto, que não sofri qualquer restrição, na URSS, ao elaborá-lo. Pelo contrário, recebi colaborações e aplausos. E tanto as perguntas como as respostas foram autenticadas pelos respectivos autores, estando comigo, à disposição de qualquer interessado, todos os originais.

É difícil cotejar o nível de vida do Brasil com o da União Soviética. São tão diferentes que não temos como fazer comparações. Além disso, lá, as taxas de câmbio variam conforme a natureza da operação. No comércio internacional, com um dólar se obtêm quatro rublos; no câmbio turístico, um dólar vale dez rublos. Por aí, talvez o leitor possa calcular alguns valores, mas não conseguirá aquilatar o padrão de vida no país, e, muito menos, confrontá-lo com o nosso.

Finalmente, aí está, em nova edição, este livro, que, propriamente, não é meu, pois fui, tão-só, portador de perguntas e respostas, mas cujo êxito é motivo de grande orgulho para a minha tarefa jornalística.

Nestor de Holanda"

70 (1)

Teatro Municipal do Rio de Janeiro
“Perguntas de SÉRGIO NAPOLI, cantor lírico, do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Respostas de CONSTANTINO LÁPTEV, do Teatro Mariinski de Ópera e Balé de Leningrado (2) (3).

É grande o êxito do teatro lírico? quantas récitas de uma ópera podem ser levadas numa temporada?

– É imenso o êxito obtido, sempre, por nosso teatro lírico. Posso julgar este sucesso, facilmente, porque já trabalhei em diversos países: Alemanha, Polônia, Iugoslávia, Checoslováquia etc. Conheço vários públicos. Assim, garanto que poucas platéias têm tanto entusiasmo pela ópera, como a nossa. Em todos os lugares da União Soviética, a arte lírica está sempre em primeiro plano, na preferência popular. Aqui, em Leningrado, por exemplo, realizamos temporadas anuais de 10 meses. Encenamos, por ano, de 180 a 200 óperas. E cada peça vai à cena de 15 a 20 vezes, em média (4).

O artista pode viver, exclusivamente, do teatro lírico?

– Mas é lógico! Os salários fixos vão de 2.000 a 7.000 rublos. Damos, ainda, nossos concertos, participamos de espetáculos especiais, filmes, gravações, programas de rádio e TV etc. Há também os que ainda trabalham nos conservatórios, como professores. Enfim, vivemos especialmente para nossa arte, e, assim, vivemos muito bem. Quando o cantor lírico tem de exercer outra profissão, sua carreira artística fica sempre prejudicada.

O artista lírico é popular e querido em todas aí camadas sociais?

Teatro Mariinski de São Petersburgo
– Claro. Os tenores e barítonos principalmente Aqui, todos gostam muito de futebol, mas o canto lírico é mais querido ainda do público. Ganha para o balé, porque é mais acessível (5). O balé é mais convencional.

De que maneira o artista lírico é revelado t aproveitado?

– Primeiramente, faz o curso de 10 anos normais. Depois, 5 anos de conservatório. Os teatros realizam concursos, todos os anos (alguns os fazem, até, duas vezes por ano). Os cantores diplomados concorrem a esses certames. Se aprovados, são contratados. Os alunos do 5° ano do conservatório também podem praticar nos teatros. E, quando obtêm êxito, são aproveitados, às vezes, sem que necessitem de participar dos concursos.”

Notas do autor e do editor:
(1) Número de ordem do entrevistador no livro (N.E.). 
(2) Ambos – tanto o perguntador como o respondedor – são barítonos. Constantino Láptev tem o honroso título de "Ator do Povo da União Soviética", que é a maior condecoração que um artista pode almejar no país.
(3) Leningrado é atualmente São Petersburgo (N.E.).
(4) O cantor não soube responder, sozinho, ao número de óperas que seu teatro encena, por ano. Foi necessária a presença de uma senhora da secretaria, com um livro de registros, para fornecer os dados necessários. Vale a pena informar, ainda, que um só teatro tem vários elencos, como no caso de Leningrado. Às vezes, duas óperas são montadas, num só dia, por conjuntos diferentes: uma à tarde; outra, à noite.
(5) Revelação das mais surpreendentes, para os que julgam o "ballet" o gênero de arte mais popular, na União Soviética. Já no capítulo XVI, quando a atriz cinematográfica Irina Scóbtzeva respondeu a Eliana, tivemos a informação de que o filme "A noite do carnaval", que passou seis meses em cartaz, em todo o país, foi mais assistido do que todos os espetáculos do Bolchoi durante cem anos...

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